Voltando para casa, indo ao mercado, e você esbarra com uma dezena de adolescentes em festa pelas ruas. Cantando alto e com bombons em mãos, querendo saber se você aceita trocar o seu sonho para o bairro por um outro sonho, aquele de comer. E quase todo mundo quer, não pensa duas vezes.
Essa brincadeira, que é muito séria, busca mapear de maneira lúdica os sonhos coletivos de transformação que existem em um território. Na Metodologia Elos é uma das atividades do terceiro de seus sete passos, chamado justamente assim: Sonho. As turmas do Conexão Elos viveram essa experiência.

PASSOS QUE VEM DE LONGE
O Conexão surgiu em 2020, quando a Metodologia Elos chegou pela primeira vez às adolescências de territórios parceiros da Baixada Santista. A proposta impulsionou potencialidades, fortaleceu o pertencimento e estimulou o protagonismo para uma cidadania ativa. Desde então, foram realizadas cinco edições, envolvendo mais de 160 jovens.
Em 2025, o Instituto Elos expandiu o programa. Com apoio do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FUMCAD/SP), gerido pelo CMDCA/SP, passou a trabalhar simultaneamente com 60 adolescentes de quatro territórios — Jardim São Manoel, Paquetá, Vila dos Criadores e Morro Santa Maria. O ciclo atual tem duração de 12 meses e segue até 2026.
UM PROJETO DO LADO DE FORA
Uma coisa é ser chamado para uma reunião para debater as melhorias do bairro em que se mora. Outra bem diferente é receber um bombom em troca daquele seu sonho mais poderoso e bonito para a rua em que você mora. Sem perceber, e se divertindo no caminho, as pessoas se engajam e co-responsabilizam com as mudanças que gostariam ver no mundo. Transformar em gincana algo tão importante e sério, como é a escuta das demandas de um território, é uma estratégia
A construção de espaços de lazer como quadras e praças aparecem toda vez, surgiu de novo no São Manoel, Paquetá, Vila dos Criadores e Morro Santa Maria. As crianças e adolescentes, uns mais tímidos, outras mais à vontade, se dividiram entre quem ia perguntando pelo caminho, quem sistematizava as ideias numa grande árvore dos sonhos, aqueles que tocavam e cantavam, quem lutou para segurar a atenção de quem passasse apressado. Tudo é intencional.
O Conexão Elos é um projeto com muitas camadas de transformação. Algumas são assim, do lado de fora das pessoas. Quando as infâncias e adolescências perguntam aos adultos o que sonham para a comunidade, colocam em prática o direito à liberdade de expressão, participação comunitária e à dignidade, direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e Adolescente – ECA. O cortejo com colagem de post-its, a criação das músicas, a ocupação do espaço público e a busca por melhorias na quadra e espaço de lazer fazem parte do eixo de direitos ligados à cultura e ao lazer. Do direito de serem, também, parte das decisões de um lugar.

Morador do Paquetá, o Bernardo, de 12 anos, entendeu isso rápido. Ele “gostou de saber que quase todas as pessoas para quem ofereci o Sonho de Valsa queriam coisas parecidas umas com as outras. Sonhavam em fazer do nosso bairro um lugar melhor para a gente viver”, explicou. Já o irmão mais velho de Bernardo, o Heitor, de 15 anos, mostra como algumas mudanças acontecem do lado de dentro das pessoas participantes.
OUTRO PROJETO DO LADO DE DENTRO
“Para mim essa atividade começou meio estranha porque eu não tenho costume de falar com as pessoas na rua desse jeito”, já foi logo dizendo. E é difícil mesmo, para todas as idades. Mais aí, explicou Heitor, o tempo foi ensinando o jeito certo de entrevistar as pessoas, de pedir licença e uns minutos de atenção. “O grupo foi se acostumando com a dinâmica. Foi muito bom saber o que os moradores mais velhos da comunidade sonhavam de melhoria”, afirmou.
Em seu artigo 4º, a garantia para as condições de crescimento e desenvolvimento integral de crianças e adolescentes é apontada como uma responsabilidade coletiva: estado, comunidade e família. Quando Bernardo tem um espaço seguro para investigar seus limites e interesses, suas habilidades e desafios, é exatamente isso que está acontecendo.
Não é fácil, mesmo, para alguém tímido sair conversando com pessoas desconhecidas, perguntando quais são seus sonhos para o bairro. Mas quando este movimento é feito de maneira consciente, com orientação e suporte, com conhecimento e segurança, ele pode mergulhar na atividade e os seus aprendizados como mais segurança. Foi o que aconteceu.