Priscilla Pereira é uma ideia em movimento. Moradora do Sítio Conceiçãozinha, no Guarujá, litoral de São Paulo, ela parece estar em todo canto, trabalha construindo um mundo radicalmente melhor que hoje em todos os sentidos, para todas as direções.
Se você estiver em uma conversa sobre como o cinema transforma vidas é capaz que ela esteja por lá, também. Se você estiver num debate sobre o poder da reciclagem nos territórios é capaz que ela esteja por lá, também. Se for ao Conceiçãozinha num domingo, três da tarde e encontrar uma multidão de pessoas construindo a sua própria Praça dos Sonhos, é sim, é ela quem estará lá puxando esse mutirão. Também.
Priscilla conta que entre tantas coisas que movimenta no mundo faltavam duas conversas. Mas precisava se preparar melhor para ambas. E foi aí que chegou um convite do Instituto Elos e uniu todas as coisas.
“Há muito tempo que eu estou buscando uma forma de trabalhar as questões que envolvem a luta contra o racismo, né? E me interessa muito falar de trabalho e sonhos no meu bairro. Mas, primeiro eu gostaria ter a oportunidade de ter um letramento racial, sabe. De estudar o tema. Agora estou conseguindo”.
A oportunidade para isso, ela explica, aconteceu com o Lab Causas.
Lab Causas é como se chama o projeto que apoia a criação de Comunidades de Aprendizagem e Prática entre as pessoas que passaram pelo Programa GSA. São mais de 700 ao redor do mundo, em mais de 70 países.
Entenda o que é o Programa GSA clicando aqui.
Ou seja, o Instituto Elos apoia com metodologias, tecnologias sociais, mentorias e recursos financeiros grupos interessados em investigar e desenhar pistas de ação ao redor de um desafio urgente do nosso tempo.
Por um mundo antirracista na prática foi o tema dessa primeira chamada.
E ao redor dela brotaram dois grupos de interesse. Ou, duas Comunidades de Aprendizagem e Prática: O Sementes de Baobá, com um olhar para a educação preta, e o Do Sonho ao Trampo: A Juventude preta e o mercado de trabalho.
Priscilla faz parte do segundo grupo ao lado de Mariana Behr (GSA 2017), Julie Lua (GSA 2022), Kikiu Galacha (GSA 2019) e Jaana Pinheiro (GSA 2017). Você saberá mais sobre elas nas próximas histórias que contaremos por aqui.
Então, foi isso. Com o Lab Causas, a Priscilla ligou os dois pontos que a interessavam muito e pôde levar para o seu bairro as duas conversas ao mesmo tempo.
Ela explica que “cada participante do projeto fez uma ação em seu território ao redor do nosso tema. Cada uma de nós fez de um jeito: bate papo, debate, roda de conversa. A gente queria provocar as nossas juventudes a falarem sobre trabalho e sonho, né”. E foi isso que aconteceu, no caso dela.
“Nós abrimos um espaço seguro para que as pessoas pudessem dizer tudo que sentiam. Eu vi que as mulheres na roda que eu fiz tinham muitos sonhos, mas que estavam adormecidos, sabe. E outras até já tinham adormecido, até desistido mesmo”, relembra.
Priscilla sabe bem o quanto é difícil sustentar o Sonho quando a realidade convoca a vida para urgências bem mais práticas. Mas acontece algo quando falamos de Sonho, o trazemos para o dia a dia, e ela sabe disso.
“O Sonho é a tecnologia que me trouxe até aqui. O que eu faço agora é entregar essa tecnologia para outras mulheres que são iguais a mim”. Um jeito de sonhar, ela conta, que não fica ali só no campo das ideias. Vira plano de ação, algo realizável.
E para isso, para convidar as mulheres do seu bairro a sonharem com um trabalho que materialize seu propósito no mundo, é que ela criou uma ferramenta: O Caderno dos Sonhos. A Priscilla é uma ideia em movimento, lembra? Uma não, uma multidão delas.
“O Caderno dos Sonhos traz frases, inspirações e exercícios para essas mulheres fazerem. Ele instrui de forma leve e gostosa como transformar os sonhos que a gente tem em realidade”. Ou seja, como construir planos de ação. Aqui ela respirou bem fundo, e continuou depois emocionada:
“Tem uma parte do caderno com um espaço para a participante colocar uma foto daquilo que ela quer, daquilo que ela sonha fazer. E aí tem uma recomendação de colocar o caderno, como é tudo muito visual, num lugar que ela veja o tempo todo, para ficar lembrando”.
Os encontros têm acontecido, os sonhos têm voltado às conversas do grupo. Toda vez.
“A gente não nasceu com herança, né. A gente tem que lutar bem mais para chegar nos mesmos lugares que muita gente acessa mais fácil. Ainda mais se você for uma mulher, de periferia e negra, aí que os desafios são maiores. Eu queria explicar isso com essas rodas de conversa. E lembrar às pessoas com o quê elas já sonharam trabalhar e como a gente pode retomar isso”, finaliza.
Priscilla disse uma última coisa, tão importante quanto a primeira, a segunda, tão importante e poderosa quanto tudo o que ela sempre diz: “Eu quero pensar como é que o trabalho serve ao meu crescimento pessoal e não apenas às necessidades práticas do mundo ao meu redor”.