Que tal criar um jogo?

Val Rocha
Muitas vezes temos dificuldade em envolver as pessoas em processos profundos de transformação de forma eficiente e divertida. Você já pensou que criar um jogo pode ser a solução? O Instituto Elos fez um casamento perfeito ao encontrar o VIA6B, um estúdio que cria jogos para o ambiente corporativo e para organizações. Há quase um ano, Felipe Vila e Natasha Mendes Gabriel vêm trabalhando juntos para aprimorar ainda mais a mecânica do Jogo Oasis. Saiba mais sobre o assunto no texto escrito a quatro mãos por Felipe Vila e Magda Vila.

Que tal criar um jogo?

Por Felipe Vila e Magda Vila

Você já deve ter pensado nisso, nem que tenha sido por um momento apenas: os jogos têm sido cada vez mais utilizados nas organizações como ferramentas de treinamento e desenvolvimento de pessoas, e mais do que uma moda passageira essa é uma tendência sem volta. Muitas pessoas ainda têm preconceito de aplicar jogos: isso geralmente acontece depois de participarem de atividades “duvidosas”, nas quais os objetivos não eram claros, o jogo menosprezava a sua maturidade ou simplesmente destoava do restante do treinamento.
A verdade é que jogos são ferramentas fantásticas para aprendizagem de adultos: eles envolvem, dinamizam o aprendizado e são capazes de desenvolver diversas competências através da experiência direta, algo muito valioso nesses tempos em que quase tudo é virtual.
Criar jogos exige mais tempo de dedicação, mais metodologia e mais organização do que a maioria dos outros formatos de treinamento. Muitas pessoas têm boas idéias de jogos, mas não dedicam tempo suficiente para amadurecer essa idéia e transformá-la em um jogo que funcione. Ou então simplesmente não sabem como fazê-lo: você provavelmente conhece alguém que teve vontade de fazer um jogo e desistiu porque nem sabia por onde começar.
Temos criado jogos para treinamento e desenvolvimento de adultos há mais de dez anos e, nesse tempo, aperfeiçoamos uma metodologia que, seguida passo a passo, garante o sucesso do resultado final. Claro que não existe receita infalível e cada caso é um caso, mas este processo vem sendo utilizado, revisado e validado para criar jogos para as mais diferentes finalidades: disseminação de informações e processos, assessment, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento de talentos.
Explicaremos aqui um pouco dessa metodologia, dando algumas dicas práticas do que fazer em cada uma das etapas, para que você saiba por onde começar – e principalmente, por onde terminar – a criação de um jogo.
A primeira pergunta a ser respondida no processo de criação de um jogo é: qual é o seu objetivo pedagógico? O objetivo pedagógico não é o objetivo do jogo para os jogadores, mas o objetivo do jogo para quem pensou em fazer o jogo. Por exemplo: um grupo de pessoas tem que montar um quebra-cabeça em determinado tempo. O objetivo para os jogadores é montar o quebra-cabeça, enquanto o objetivo pedagógico pode ser avaliar como esse grupo trabalha em equipe.
O objetivo pedagógico de um jogo pode estar inserido em uma dessas três categorias: avaliar, informar ou praticar.
Um jogo serve para avaliar quando coloca à prova um conhecimento já adquirido, seja ele técnico ou comportamental. Este tipo de jogo pode servir como ferramenta num processo seletivo ou para verificar a eficácia de um treinamento, por exemplo, tendo como principal elemento perguntas e respostas sobre um tema trabalhado em sala.
Quando o jogo tem como meta levar um conhecimento específico até as pessoas, podemos dizer que ele serve para informar. O conhecimento é transmitido pela própria mecânica do jogo, e neste processo os jogadores aprendem as informações que estão sendo transmitidas. Nesse tipo de jogo podemos disseminar qualquer tipo de informação: novos modelos de gestão, valores e características técnicas de um produto.
Por último, um jogo pode servir para praticar, ou seja, exercitar determinados comportamentos (liderança, trabalho em equipe, comunicação) ou aplicar, na prática, conhecimentos previamente adquiridos. Os jogos de simulação dos processos de uma empresa, conhecidos como business games, são exemplos típicos de jogos cujo objetivo pedagógico é praticar.
Um jogo pode ter mais de um objetivo pedagógico, mas, geralmente, um deles predomina sobre o outro. Por exemplo: um jogo pode informar como funciona em detalhes o processo de contas a pagar e, ao mesmo tempo, propiciar a oportunidade de praticar esse conhecimento de maneira simulada e sem riscos para a organização.
Estando o objetivo pedagógico claramente definido, o próximo passo é consolidar num briefing os demais elementos que irão determinar o desenvolvimento do jogo. Tal consolidação pode evitar que você seja surpreendido no meio do processo de criação com uma nova informação que mude o rumo do seu projeto. É imprescindível que neste briefing sejam respondidas questões como: Qual é o tempo de duração do jogo? Qual a quantidade mínima e máxima de jogadores? Qual é o espaço físico disponível para aplicação do jogo? O jogo será indoor ou outdoor? Quais são os recursos disponíveis (projetor, sistema de som, flip-chart, lousa)? Quantas unidades do jogo serão produzidas?
Outra característica que deve ser definida ainda no início do processo de criação do jogo é a dinâmica entre os jogadores, que pode ser competitiva, comparativa ou cooperativa. Essa classificação diz respeito à mecânica do jogo: são as regras de um jogo que determinam se ele é competitivo, cooperativo ou competitivo.
Num jogo competitivo o ganho de um jogador ou equipe implica necessariamente na perda de um outro jogador/equipe, e, portanto há apenas um vencedor.
Já em um jogo comparativo os participantes ou equipes desempenham tarefas semelhantes e comparam os resultados obtidos. O bom desempenho de um jogador não impede o bom desempenho do outro. Jogos comparativos podem ser utilizados nas empresas para avaliar práticas de gestão ou estratégias de negócio: cada equipe faz o seu percurso, e, ao final, é possível comparar como cada estratégia aplicada contribuiu para o exito ou não do resultado final.
No jogo cooperativo o objetivo só pode ser atingido com a união de todos os participantes: ou todos ganham ou todos perdem. Ainda há um certo preconceito sobre os jogos cooperativos: muitos acreditam que eles sejam mais chatos do que os jogos competitivos. Isso não é verdade. É sabido que em alguns jogos cooperativos o grau de desafio é muito baixo para os participantes, o que acaba desestimulando o envolvimento do grupo. Se o jogo cooperativo for desafiador o suficiente, no entanto, as pessoas irão naturalmente entender a necessidade de trabalhar em conjunto, e no final a atividade vai ser tão ou mais divertida do que um jogo competitivo.
Para decidir se o seu jogo será competitivo, comparativo ou cooperativo, avalie muito bem o seu objetivo pedagógico e o seu público-alvo: para cada caso existe uma solução que traz melhores resultados.
O próximo passo é a criação da mecânica do jogo: é aqui que será definida a ordem das ações, os tipos de ações possíveis em cada momento do jogo e as regras que condicionam a realização de cada uma das ações. Nesta etapa é muito importante ter referências de outras mecânicas de jogo: comece lembrando-se de mecânicas conhecidas e que poderiam servir para o seu caso; depois tente misturar um pouco as regras para criar novas combinações e por fim complemente a sequência de eventos com novas idéias para tentar alcançar um conjunto de regras e ações que pareça consistente. Outras dicas:

  • Deixe claro qual é o objetivo do jogo para os participantes (fazer determinado número de pontos, chegar até um lugar, conquistar um espaço);
  • Crie uma mecânica de jogo suficientemente desafiadora para prender a atenção do seu público, mas cuide também para que não seja complicada demais e desestimule os participantes. Evite infantilizar o adulto com tarefas de fácil execução ou que exponham muito as pessoas.
  • Na formação de grupos dentro do jogo o ideal é trabalhar com até 6 pessoas – uma quantidade maior pode dificultar a comunicação dentro do grupo.
  • Uma mecânica que se mostra eficaz para 20 pessoas, por exemplo, dificilmente vai atender bem um grupo de 200 pessoas: é importante garantir que todos os participantes estejam ativos o tempo todo durante o jogo para evitar dispersão. Se o número de jogadores variar muito, você também será obrigado a criar variações da regra.

Depois dessa formulação inicial e mais teórica da mecânica do jogo, faça algumas simulações de como o jogo funcionaria: tente imaginar o que cada jogador ou equipe poderia fazer com essas regras que você criou e escreva as sequências possíveis de ações, pra poder identificar eventuais gaps e a necessidade da criação de regras adicionais. Outras dicas:

  • Meça o tempo de duração de cada rodada e de cada ação do jogo, ainda que com base em estimativas: verifique se você terá tempo de realizar tudo o que você pensou;
  • Monte um fluxograma de eventos do jogo da forma mais visual possível; isso ajuda você e seu cliente a entenderem o jogo e irá facilitar as próximas etapas.

Depois de criar a mecânica do jogo, é hora de definir os seus componentes. Componentes são todas as coisas necessárias para fazer o jogo acontecer, sejam elas físicas ou virtuais: cartas, dados, tabuleiros, projeções com números e informações. Dicas:

  • Para definir quais componentes farão parte do jogo, é importante lembrar da verba e dos recursos disponíveis, incluindo o espaço onde o jogo vai ser aplicado e a existência de equipamentos de projeção, áudio e vídeo;
  • Pense bem na escala de cada componente e no tamanho dos textos, para que todos os participantes possam interagir com os materiais do jogo. Um tabuleiro para seis pessoas pode ficar em cima de uma mesa, mas um tabuleiro pra cinqüenta pessoas provavelmente deverá ser bem maior e ficar no chão;
  • Quantifique os componentes do jogo e formule algumas hipóteses matemáticas para confirmar esses números, garantindo que não faltarão cartas ou sobrarão muitas fichas, por exemplo.

Nesse momento pode ser interessante criar uma metáfora ou tema para o jogo. O ambiente do jogo é a própria empresa ou remete a algum mito, lenda, história ou lugar? Essa resposta vai depender muito do objetivo pedagógico. Se o seu objetivo é simular um processo específico da empresa, por exemplo, provavelmente uma metáfora parecerá meio fora de contexto; mas se você vai tratar de um tema mais aberto como planejamento ou liderança, a metáfora pode ser um recurso valioso para potencializar o envolvimento dos participantes com o jogo e estimular a criatividade, ajudando os jogadores a pensar fora da caixa.
Agora você pode começar a pensar em um nome para o jogo, e a partir desse nome na marca e na sua identidade visual, a sua “cara”. Por exemplo: se você definiu que o seu jogo vai se basear no antigo Egito, então os seus componentes devem reforçar essa idéia: impressões lembrando papel envelhecido escritas com tipos de texto antigos vão parecer mais convincentes do que peças plastificadas multicoloridas escritas em Arial. Outras dicas:

  • Se você não tem facilidade com design ou não tem tempo para cuidar dessa parte, considere pedir ajuda para parceiros internos ou externos: o visual de um jogo e a qualidade do seu material é muito importante para que os jogadores se envolvam, levem a atividade a sério e percebam que a empresa está investindo neles;
  • Na hora de criar uma marca, procure ser sintético: ela pode aparecer em muitos lugares dentro do jogo e ser impressa em diferentes técnicas e suportes: se ela for muito complexa ou tiver muitas cores, ela vai se perder;
  • Não desenhe todos os elementos do jogo em detalhes antes de realizar o beta-teste; muita coisa pode mudar e você pode acabar desperdiçando muito trabalho.

O beta-teste, ou teste de aplicabilidade do jogo, é o momento onde você vai avaliar, na prática, se o jogo que você criou está funcionando bem. Por mais que você tenha feito muitas simulações que tenham dado certo, há sempre um fator que não pode ser simulado por nenhum designer de jogos: as pessoas. Apenas jogando com as pessoas você poderá avaliar se o jogo é divertido e envolvente, se está dando tempo de fazer tudo o que você planejou e, principalmente, se o objetivo pedagógico está sendo atingido. Dicas:

  • Convide para participar do beta-teste pessoas com o perfil mais próximo possível do público-alvo final, e dê preferência para aquelas que não participaram do desenvolvimento do jogo; informe-os que este é um jogo em desenvolvimento e reforce que os componentes ainda vão passar por uma arte final;
  • Peça às pessoas que se envolvam com o jogo como jogadores e não como críticos, deixando as observações, sugestões e críticas para o final – assim você vai conseguir ter uma idéia melhor dos tempos do jogo e evita a dispersão do grupo. Não adote uma postura defensiva quando ouvir uma crítica: deixe também seus comentários para o final;
  • O número de jogadores e de equipes deve ser o mais próximo possível do jogo real, para garantir que todas as eventuais dificuldades venham à tona;
  • Produza os componentes do beta-teste com materiais simples e baratos – eles provavelmente virarão lixo depois. A mesma coisa vale para o conteúdo: crie poucos conteúdos para cartas e fichas, ainda sem o compromisso de um formato final: eles provavelmente também sofrerão ajustes;
  • Tente produzir os elementos nas medidas corretas – o beta-teste vai ser uma oportunidade para confirmar se todos conseguem ter acesso às informações que precisam para jogar;
  • Durante o beta-teste anote tudo, principalmente os tempos de duração das rodadas e ações e as eventuais dificuldades encontradas pelos participantes;
  • Ao final do beta-teste, peça aos participantes que avaliem o jogo no que se refere à clareza das regras, adequação do nível de desafio, envolvimento com a atividade e alcance do objetivo pedagógico. Apenas depois, sem a participação dos jogadores, converse com seu cliente sobre a necessidade de ajustes na mecânica ou nos componentes do jogo.
  • Se você perceber que o jogo ainda não está funcionando como você gostaria, faça algumas mudanças e convoque outro beta-teste: faça todas as simulações necessárias para ter certeza de que o jogo atende a todos os pré-requisitos constantes no seu briefing inicial.

Depois que o jogo foi aprovado no beta-teste chegou a hora de elaborar o projeto final, revisar o conteúdo, o desenho e as especificações técnicas de todos os componentes e preparar os arquivos para a produção. Não importa se a sua produção será doméstica ou profissional, em pequena ou larga escala: nesta etapa você deve garantir que tem tudo o que é preciso para materializar o jogo, buscando os recursos, parceiros e fornecedores que participarão do processo.
Nesta etapa não deixe de pensar na embalagem e no transporte do jogo e no custo-benefício dos materiais utilizados – peças que serão manuseadas muitas vezes exigem um acabamento mais duradouro, mesmo que isso custe um pouco mais caro.
A etapa de orçamentos geralmente começa logo depois do beta-teste e se estende até a etapa de projeto final: comece criando uma planilha com todos os componentes, sua quantidade e especificações ideais; depois faça diversas cotações de preço e, analisando a verba disponível, faça os ajustes necessários no projeto para que o jogo caiba dentro do seu orçamento.
Você ainda tem uma tarefa adicional: criar e produzir o material de apoio do facilitador, organizando a melhor forma de apresentar as regras e elaborando as explicações e dicas necessárias para a aplicação do jogo. Se você mesmo será o facilitador, essa etapa pode se resumir a um conjunto de anotações pessoais e uma apresentação de Power Point para explicar as regras para os jogadores; se você pretende multiplicar o jogo, talvez seja preciso criar um manual-apostila, sistematizar o conhecimento e preparar um pequeno treinamento. Sempre que possível, faça com que os multiplicadores também experimentem ser jogadores.
Seguindo esses passos, você vai finalmente ter o seu jogo em mãos – um jogo que cumpre o seu objetivo pedagógico, que é divertido e que tem um papel transformador nas pessoas; um jogo testado e aprovado criado com muito suor sim, mas sem desperdício de tempo e de recursos; um jogo do qual com certeza você vai se orgulhar, e que com certeza as pessoas vão gostar de jogar!
E então, que tal criar um jogo?
 
Felipe Vila é arquiteto e urbanista graduado no ano de 2004 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e sócio-diretor do VIA6B Estúdio de Arquitetura e Design, onde coordena e atua em projetos de arquitetura e comunicação visual. Dentre esses projetos, têm destaque os que envolvem design e programação de produtos multimídia, incluindo apresentações corporativas eletrônicas e impressas, além da criação, desenvolvimento de mecânicas e design de jogos para treinamento e desenvolvimento de pessoas, projetos realizados sob a marca Criação de Jogos em em parceria com a consultoria Magnitud.
Magda Vila é sócia-diretora da Magnitud Desenvolvimento de Talentos, escritora de livros na área de Treinamento e Desenvolvimento, criadora de jogos empresariais, mestranda em Tecnologia das Inteligências e Design Digital – Aprendizagem e Semiótica Cognitiva (PUC-SP), pós-graduada em Jogos Cooperativos e economista pela PUC-SP com Administração de RH pela Fundação Getúlio Vargas, com experiência de mais de dez anos na criação de jogos para adultos em parceria com o VIA6B.

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