Este texto foi produzido por Sebastián Ronderos*, GSA 2015, e facilitador do OASIS NAS ESCOLAS. Aqui ele faz uma reflexão profunda sobre como a educação é lugar onde começamos a sonhar com o melhor mundo, mas que o sistema precisa passar por um processo de transformação profundo.
Qual é o papel da educação no caminho à transformação? Esta pergunta tem acompanhado minha jornada na construção de elos nas comunidades e nas redes educativas, iniciada no Oasis na escola EMEF Duque de Caxias, no Glicério, São Paulo, e reforçada recentemente no Oasis na EE. Dr. Rafael Mauro, na Vila Maringá, Jundiaí. O transcurso do último mês tem sido atravessado transversalmente pela quebra de paradigmas, em especial os guiados por sentidos de escassez, de conceitos mutuamente excludentes tradicionalmente expressados na noção de “amigo/inimigo”, herança de modelos tradicionais que não conseguem enxergar a diferença.
A educação publica, não só no Brasil, mas também na Colômbia, na Espanha, continua assumindo uma postura maioritariamente tradicional, passiva, ou, nos próprios termos de Foucault, como o autor explicita na obra “Vigiar e Punir”, continua estabelecendo uma função normalizante do corpo educativo, em especial dos alunos. O anterior, gera uma dissonância frente as necessidades e desafios que enfrentam as nossas sociedades, reclamando espaços de participação, questionando conceitos e construindo o espaço vital para o desenvolvimento criativo de sonhos coletivos.
Esse espírito transformador foi a motivação, o motor do profundo processo vivenciado recentemente na Vila Maringá, onde eu, como facilitador, fui cativado por um regozijo de afeto que veio da comunidade educativa em geral, e dos alunos em particular, inspirado pela disposição da direção e coordenação da escola – José Luis e Sabrina sempre dispostos a um novo olhar, mesmo com os mais que justificados medos por quebrar os protocolos diários, e a falta de certeza do que representa um OASIS – e motivado pela participação dos educadores e funcionários, entregues não ao simples melhoramento da escola, e sim, a materialização da MELHOR comunidade escolar.
Foi um processo que se articulou com os trabalhos que a própria escola já vinha desenvolvendo, potencializando um novo olhar, por exemplo, através do projeto criativo que partiu do filme “O pequeno príncipe”, ou a desconstrução de notícias dos principais jornais da cidade para gerar uma perspectiva crítica, essencial na participação e nas responsabilidade cidadãs.
Outra engrenagem fundamental, foi o grupo de teatro, com quem conseguimos articular o Show de Talentos do dia 12 de novembro, utilizando o colorido palco e a maravilhosa interpretação da peça “O Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, dando sofisticação aos conteúdos satíricos, reforçado pela confiança dos estudantes na atuação. Isso colaborou com as apresentações posteriores dos outros alunos, com cantos, instrumentos, recitais, receitas de cozinha, poesias e desenhos, entre outros tantos talentos reconhecidos.
Foi claro que estávamos somando águas em um fluxo que já vinha fluindo com forca, numa escola que estava desenvolvendo propostas diferenciadas para repensar a comunidade escolar, conscientes dos desafios atuais, das limitações de recursos esgotados, próprios dos modelos antigos e do implacável potencial dos jovens que, mesmo num mundo de certezas, pela sua criatividade, não pararam de sonhar. Foram verdadeiros empreendedores, mobilizadores comunitários e catalizadores de recursos, articulando o bairro e dando um grande exemplo de gestão participativa.
Juntos transformaram a escola num espaço colorido, diverso, deixando claro que diferença não é sinônimo de desigualdade, e que é essa diversidade, a essência de um mundo mais rico, abundante e criativo. Muralismo, paisagismo, carpintaria e espaços multiusos ao ar livre são só alguns dos milagres que foram materializados, fazendo parte de uma série de sonhos que conformam a política pública desenhada pela própria comunidade escolar. É um inequívoco exemplo de democracia direta em ação. É, talvez, uma aproximação do modelo de educação sonhado por Paulo Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, em “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”.
E então, qual é o papel da educação no caminho à transformação? A experiência na EE. Dr. Rafael Mauro mostra que é, no mínimo, um espaço de desenvolvimento criativo essencial para impulsionar novas formas de viver juntos, e de encontrar outros olhares para nosso mundo, de fomentar uma consciência crítica, sonhadora, que permita construir espíritos participativos orientados por utopias coletivas e assim, potenciar esse melhor mundo, inclusivo, ativo, desafiador e abundante, ao que dedicamos nossos melhores esforços.
Sebastián Ronderos é cientista político da Universidad de los Andes, Bogotá, Colombia, especialista em resolução de conflitos da Pontificia Universidad Javeriana e mestre em Cultura de Paz, Conflito, Educação e Direitos Humanos da Universidade de Granada, em Granada, Espanha. É Guerreiro Sem Armas da edição 2015.