E não o lugar do saber único, do saber que tem raça, classe e gênero bem definidos. Vitória Santos Oliveira explicou isso, contou muito mais. Admitiu, por exemplo, que não é uma tarefa das mais fáceis abordar a luta contra o racismo nos espaços pelos quais ela se movimenta. E não são poucos.
Ela, uma mulher negra que sabe tantas coisas, mas que toda hora é convocada a falar das suas dores, a discutir sempre o mesmo assunto. Especialmente nesses lugares que reverenciam e passam para frente esse tal saber único. Um saber que nem considera que a luta contra o racismo é estruturante na vida brasileira.
“O momento do meu encontro com esse tipo de saber é sempre recheado de ansiedade. Primeiro eu passo por um processo de raiva, e o nome é esse. E depois eu fico melancólica, pensativa. Depois vem uma certa esperança”, diz.
Para Vitória, a mistura de sensações e sentimentos ainda compensa na maioria dos casos, justamente pelo tipo de transformação que só o encontro pode causar. Ela acredita que vale a pena. E isso não quer dizer que seja fácil.
“Eu penso assim: que legal que essas pessoas irão carregar o que eu trouxe para outros lugares. Já eu também sairei daqui com novidades, que também irão transformar outros ambientes em que for. Trabalho para que todos esses nossos saberes sejam suficientes para transformar a realidade prática material das coisas”, defende.
Sementes de Baobá: volta aos Brasis pela educação. Esse é o nome da Comunidade de Aprendizagem e Prática que a Vitória compõe ao lado de Myrian Castello (GSA 2014), Renata Laurentino (GSA 2012) e da Helô Bueno (GSA 2018).
Com apoio do Lab Causas, projeto do Instituto Elos que impulsiona quem passou pelo Programa GSA para a pesquisa e o desenho de ações ao redor dos temas urgentes do nosso tempo, elas têm se dedicado nos últimos meses a pensar e construir com foco na educação preta. Dentro e fora do país.
O grupo começou com o objetivo de registrar em filmes boas práticas educativas pelo país, mas os objetivos foram se transformando durante os encontros. Uma coisa, porém, nunca mudou desde o começo, Vitória revela:
“Nós fizemos essa demarcação dos interesses que tínhamos, logo de saída. Nosso foco era se debruçar sobre as práticas de educação preta. As formais e não formais. Educação antirracista é uma outra coisa”.
A Comunidade de Aprendizagem e Prática Sementes de Baobá organizou as suas atividades em dois movimentos. No primeiro aconteceu o que chamaram de Ciclo Formativo, quando pessoas com diferentes visões e experiências de educação preta foram chamadas a compartilhar o que sabem. Tudo feito ao vivo pelo Youtube, uma estratégia para alcançar mais pessoas.
Racismo | com Vitória Santos Oliveira (youtube.com)
Educação e Tecnologias Negras | com Layne Gabriele e Vinicius Santana
Parditude | com Beatriz Bueno (youtube.com)
Já no Ciclo de Inspiração, que começou há pouco, elas trabalham com outros formatos para a circulação de saberes. Como, por exemplo, vivências e workshops. Dinâmicas mais participativas.
Cultura Hip Hop e emancipação da consciência negra | com Katró Unjila e Eduardo Yamina
Prazer e Bem Viver em Pretoguês | com Carol Amanda
Brincando na Kebrada
O encontro que abriu os trabalhos desse segundo momento foi com outras duas pessoas que também passaram pelo Programa GSA. Katró Ungila, da turma de 2022, e Eduardo Yamina, de 2023.
O Sementes de Baobá é sobre isso também, defende Vitória. Sobre mover as oportunidades ao encontro das pessoas pretas. Reconhecer o que sabem como produção do conhecimento. Em geral, o mundo não faz isso. Resume a uma vivência, e só.
“Acho importante ressaltar como o recurso financeiro possibilita, entre outras coisas, que aquelas que protagonizam essa educação que nos interessa sejam remuneradas pelo que compartilham com a gente”, finaliza. E para Vitória isso não é, nem de longe, um detalhe.