Lia e a ética

Por Val Rocha

“ A ética não serve para nenhuma  competência específica, mas para a vida”

Com esta frase, estarrecedora, começa  uma grande maratona de discutir e descortinar séculos e séculos da história das civilizações humanas buscando a compreensão dos eventos que nos trazem até os dias de hoje através da lente da ética.
A frase me parece estarrecedora, por causa da simplicidade aguda: não serve para nada senão a vida… o que seria mais importante, grave, crucial?
Lia Diskin, com estas palavras, me faz a um só tempo divagar e permanecer atenta a grande aventura de nos descobrirmos seres humanos únicos em nossa cultura e valores, e ao mesmo tempo – sem com isso diminuir em nada o valor das nossas crenças e cultura – enxergar os caminhos e fatos que construíram crença e cultura como são.
Os três dias de aula cobriram um vasto período da história da nossa civilização, que se propõe a tratar de forma profunda do que me calou fundo na alma, e que ainda agora reverbera: tradição, ética e moral como fenômenos humanos não-naturais, fenômenos que aconteceram como forma de garantir a vida humana em situações extremas que se apresentaram ao longo da história.
O objetivo proposto é o de construir no final de semana cerca de 4 conceitos de forma clara, intrínseca, para que os compreendamos e nos apossemos deles de tal forma que passem a ser parte de nós mesmos.
Posto este objetivo, Lia nos conduz por uma contextualização de nós mesmos: quem somos? Val? Raquel? Manoel? Não… Não apenas isso. Nas suas palavras somos fruto de uma experiência urbana; uma espécie jovem antes da qual experiências de vida de bilhões de anos se desenvolveram e se desenvolvem suas estratégias de viver neste mesmo planeta casa que chamamos Terra.
Aqui faço um primeiro parêntese para honrar e reconhecer não a linhagem milenar que se enfileira atrás de mim, mas a linhagem de mulheres que estão logo aqui atrás, à frente e ao lado, cujas mãos ainda posso sentir tocar meu ombro, que me aconselham e me nutrem… quase sinto passar por mim a tal “experiência de vida” indo alcançar Lia, minha filha, que um dia também deixará sua indelével marca no grande caldeirão desta experiência inacabada e recente.
Essa estória de quem sou, dos meus gostos por coisas eletrônicas que se acumulam na gaveta do móvel da sala, vem se revelar resultado de um movimento tão maior do que eu, que aconteceu há tanto tempo atrás… Quando nós, nômades que éramos como espécie, descobrimos  formas de nos fixar em um só lugar. Com a sedentariedade veio a possibilidade de acumular bens, e isso, agora eu vejo, trouxe consequências importantes para a civilização… do tipo que afetam diretamente quem eu sou e quem você é.
“Não há como ser auto-suficiente em uma experiência nômade”. Eu ouço a frase e analiso mentalmente… me recuso a acreditar que este início, esta mudança na forma de vivermos enquanto grupo desembocaria em uma sociedade onde a auto-suficiência, ou a ilusão dela, faz ser muito difícil reconhecer o valor do outro.
As mudanças, quando consideramos não a mudança que sofre um indivíduo, mas as mudanças que sofre uma civilização, são de natureza complexa… e às vezes controversa. Assim, o homem se torna sedentário, acredita na sua auto-suficiência, mas esta mudança comportamental, carrega em seu cerne um medo ancestral e inconsciente(?): o medo da escassez.
Antes de seguir adiante, me arrepio e me assusto com a descoberta de uma coisa tão velha quanto o tempo, mas que se revela para mim nesta sala de aula, tão fresca como se tivesse acabado de acontecer – a mistura é bombástica: a capacidade de acumular somada ao medo da escassez…
A professora Lia Diskin me inspira cada vez que tenho a oportunidade de escutá-la falar e, mais do que inspiração, a sua maior contribuição na minha vida é o estimulo à reflexão. A cada edição dos Guerreiros Sem Armas vejo nos jovens, olhos arregalados, ouvidos atentos, a mesma reação que tive  na primeira vez que a vi. E digo a mim mesma: eles querem transformar o mundo e agora mesmo estão um passo mais perto disso, à medida em que compreendem melhor o mundo que querem mudar… e a si mesmos.

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