“Para mim, o conhecimento só é válido se ele estiver atendendo às necessidades do mundo”. Ou seja, movendo os jeitos de sentir, de pensar e de agir da sociedade, rumo a um futuro melhor que hoje para todos os seres. E ao mesmo tempo.
A frase é da Mestre em História do Tempo Presente, Juliana Campos. Ao lado da Comunicadora Social Mariana Felippe, ela coordenou a Pesquisa Territórios e Comunidades da Baixada Santista. O trabalho desenvolvido pelo Instituto Elos traçou um perfil de quem constrói a transformação social de base na região.
As descobertas ajudam a compreender melhor os desafios, oportunidades e necessidades de apoio ao trabalho dessas lideranças. Necessidades, aliás, que não são poucas, que são estruturais e que possuem raízes históricas. No racismo e no patriarcado.
Se fosse uma pessoa, a liderança que essa escuta apresenta seria uma mulher negra que quase não recebe apoio pessoal para fazer o que faz. Quase 80% das pessoas entrevistadas se reconhecem como mulheres e 70% se autodeclaram negras. O universo da pesquisa são as pessoas que tem construído em parceria com Instituto Elos nas últimas duas décadas.
O documento aponta também que mais da metade das entrevistadas, 52,2%, não tem qualquer tipo de acompanhamento psicológico. Precarizadas em seu movimento de fazer acontecer uma outra realidade, um outro mundo, elas nem ao menos tem assegurado o seu direito ao cuidado com a saúde mental. Daí a frase que resume essa descoberta: quem cuida de quem cuida?
Juliana aponta que nada disso é novo, em termos históricos. Às mulheres, especialmente às mulheres negras, sempre coube esse não lugar na sociedade. Ela aponta que já passou da hora de institutos, fundações e outros arranjos de apoio e desenvolvimento de lideranças e organizações olharem com a seriedade que o tema pede. E não somente esses agentes.
“Não temos políticas públicas que garantam esse trabalho de base com condições, com dignidade”.
Em quase 70 páginas, a pesquisa avança em muitas direções, em várias camadas. Indica, por exemplo, que 96% das lideranças atuam sem qualquer tipo de apoio financeiro pessoal. Ou seja, sem salário, bolsa auxílio ou ajuda de custo.
Importante ressaltar: trabalho voluntario, que é uma decisão consciente de doação seu tempo, habilidades e energia para apoiar pessoas, grupos ou comunidades sem esperar remuneração em troca é uma coisa. O que o estudo do Instituto Elos aponta é uma precarização do trabalho social de base, liderado majoritariamente por mulheres negras. E para Juliana, essa não é uma coincidência.
“Eu entendo que exista uma intenção política de manter a base do trabalho social invisibilizada para que toda uma estrutura não se mova, como nos lembra Angela Davis”, aponta.
Para a pesquisadora, uma das maiores contribuições “da nossa pesquisa é reconhecer a potencialidade nessa base apontando o que falta para que essas mulheres possam fazer mais. Com as condições ideais para isso”.
O trabalho feito por Juliana e Mariana não apresenta apenas fotografias do estado das coisas. Traz recomendações para o próprio Instituto Elos e para o campo social como um todo.
Ao apontar a falta de um apoio financeiro para que essas mulheres, em sua grande maioria, possam ter o mínimo para movimentar suas ideias e projetos, indica como pistas de ação:
- Oferecer condições dignas de trabalho – infraestrutura e recursos;
- Cuidar do bem-estar de cada liderança;
- Incentivar o trabalho colaborativo e formação de novos quadros;
- Remunerar o tempo de dedicação e valorizar esse papel;
- Conectar lideranças em movimento;
Os dados são muitos e mais que esses. Aos poucos todos serão contados. Mas algumas perguntas se fazem presentes desde já:
- Os recursos financeiros do campo social estão indo para onde deveriam?
- As organizações estão construindo programas e projetos comprometidos com a realidade das necessidades das lideranças?
- A pesquisa aponta uma precarização da vida de quem está na linha de frente da transformação da sociedade: qual é a resposta do campo de impacto social para esse problema estrutural?