“Mutirão não é só físico, acontece intelectualmente também”, defende Lua, GSA 2022

“O mutirão não é só algo físico. Ele acontece intelectualmente, também. É quando a gente junta as nossas ideias com o que as outras pessoas já pensaram ou fizeram”, é o que defende Julie Lua a certa altura de uma conversa sobre o seu Colorindo a Quebrada com Poesia.  Seu não, ela reforça algumas vezes: nosso.

“Foi o saber e o fazer junto, esse projeto é muito sobre isso. Foi colocar as diversidades que somos para construir algo coletivo. Se as pessoas não se envolvem, não compram a ideia, as coisas não acontecem”.  

Crédito: Juliana Gomide

Lua foi uma das oito pessoas apoiadas pelo Jovens Ideias, edital do Instituto Elos que estimula quem passa pelo Programa GSA a prototipar e testar hipóteses de transformação pelo país. No caso dela, tudo começou com uma inquietação, que virou uma ideia, que virou um projeto; mudou um pouco, logo nos primeiros encontros: estar disponível ao que se apresenta como necessidade.

“Quando escrevi a proposta, queria apoiar jovens escritoras, quem estava começando a publicar seu primeiro livro. Depois percebi que muita gente que estava na caminhada há algum tempo tinha poucas oportunidades de publicação. Não eram só os alunos, mas quem facilitaria as oficinas também precisaria ser publicado”, detalha.

E foi aí que nasceu a Antologia Poética “Colorindo a Quebrada com Poesia”, reunião dos trabalhos de 15 artistas da palavra e da imagem. O lançamento aconteceu com um sarau no Espaços Elos, em 23 de agosto.

Crédito: Clarissa Borges

“Permite que eu fale, não as minhas cicatrizes”

Para costurar tantos linguagens e talentos, tantas subjetividades e agendas, Lua imaginou que era preciso antes de tudo aproximar a Filosofia Elos, uma de suas inspirações no desenho do projeto, da sua periferia, da sua quebrada. E isso começou pela linguagem. Organizou então, assim, encontros que colocavam as vivências, as memórias de alunas, alunos e oficineiros no centro da roda ora presencial, ora virtual: cada conversa, um passo.

E foi assim que os setes passos foram traduzidos para o quebradês. E foi assim que o Cuidado, por exemplo, virou Mantém o Respeito, na facilitação do Arquimedes Machado. Lua explica melhor:

“Você pode escrever sobre tudo que quiser, mas não pode ser violento com a existência de alguém. Não pode ser machista, não pode ser transfóbico, não pode ser racista. Por isso essa oficina se chamou Mantém o Respeito, que é o Cuidado”. Nesse momento, também, olha-se para todos os detalhes para a publicação de um livro: tamanho de fonte, cor, qual papel. Viu: Cuidado.

 A cada novo encontro, Pega a Visão que é o Olhar; Várias Fitas que é o Afeto, e por aí foi, uma nova pessoa artista facilitadora. E a cada nova pessoa artista facilitadora, um novo espaço seguro, convidativo e estimulante para a criação de quem sempre esteve historicamente afastada dos espaços de oportunidades. Mas, que agora, não mais.

“Nossa vida não pode ser resumida às nossas dores, é importante encontrarmos um lugar para o nosso direito ao amor também, às liberdades dos nossos corpos”, diz Lua. Para a poeta, escritora e sonhadora literária, a luta pelo direito à palavra é, também, uma luta pelo direito à existência histórica.

“Nossa memória, como povo preto, passa muito pela oralidade. Então, a gente precisa agora registrar também no papel as nossas Escrevivências, como diz a Conceição Evaristo”. 

E Lua se atentou aos dois jeitos de caminhar: quem quiser escutar o audiobook do Colorindo a Quebrada com Poesia é só clicar aqui.

GSA em Movimento: o sonho de Myrian Castello

Com seis anos, a Myrian Castello assistiu assim na TV: em 2025, a água do planeta vai acabar; foi um desespero. Era preciso avisar aos adultos.

Os adultos, eles nunca prestam atenção ao que importa de verdade, daí ela correu para chamar um primo, pareia de idade; era seu sócio de sonho. Nosso melhor sonho é sempre coletivo, já percebeu?

O coração e a imaginação de uma criança não estão preparadas para uma notícia dessa: que a água do planeta vai acabar, em 2025. Ela sai para fazer alguma coisa acontecer, sai para adiar o fim do mundo. O adulto vai marcar uma reunião em 15 dias, o convite vai por e-mail.

Não teve um adulto, ela contou, não teve um adulto por aqueles dias que não tenha recebido um cartãozinho alarmante com a notícia do fim próximo da água. E um pedido: economize, por favor. Distribuíram dezenas deles, ela não esqueceu isso nunca mais, mais de duas décadas depois, e me contou.

Myrian explica que essa foi a primeira vez em que sonhou e realizou nessa vida, depois vieram muitas outras. Feito aquela vez que inventou um produto Anti Stress para presentear o pai. Existia até linha de produção que envolvia bexiga e algum tipo de farinha. Esse negócio de sonhar e trazer coisas ao mundo era bem seu jeito, não deu outra, caiu na Engenharia. Foi lá que aprendeu como as coisas funcionam, saiu sabendo mais sobre o funcionamento de si mesma, e com uma decisão: “Quero devolver o sonhar para as pessoas”.

É que quase tudo na faculdade era tão diferente do que poderia ser que ela não conseguiu se encontrar por lá. A gente precisa estar presente para conseguir sonhar. Depois descobriu que quase ninguém se encontrou, era muito desperdício de vida.

Por que aquelas aulas arrastadas, sem nenhuma conexão com as pessoas, quando se poderia aprender o funcionamento das engrenagens observando um carrinho de caldo de cana?!? E depois ainda beber um copo e o chorinho. Tudo piorou para melhor, quando Myrian conheceu o Guerreiros Sem Armas, os Jogos Cooperativos: “Pela primeira vez não me senti sozinha no mundo. Encontrei minha comunidade”. Não poderia ter outro nome, uma organização que nasceu de sua inquietação e dos seus vários amigos e amigas encontradas por aquele caminho: Fábrica dos Sonhos.

Teve uma aula, uma vez, que Myrian descreveu como uma ida ao inferno, que se deparou com um lugar quente que saia fogo de todo lugar: era uma empresa de caminhões, e ela saiu traumatizada. Daí o motivo de ser uma fábrica agora também, mas de outro tipo: daquela que nos nasce de novo.

“O sonho é importante porque ele traz o direito de existir. Ele te ajuda a sair de alguns lugares, a se colocar em movimento. É sobre convidar as pessoas a irem para onde elas quiserem, imaginar esses lugares”, resume.  Feito aconteceu com ela que saiu da faculdade, foi acolhida pelos pais em sua decisão; entenderam que o coração de Myrian não estava na sala de aula; queria se dedicar a isso agora, fazer as pessoas voltarem a sonhar. Feito ela mesma voltou quando descobriu que sonhar já é um hábito de muitos e muitas por aí. Aquelas pessoas que encontrou no GSA.

De 2013 para cá, Myrian toca a Fábrica dos Sonhos, um lugar para sonhar com ética e amor. “Trabalhamos Para criar um mundo de amor em que todos os seres possam ter o direito de sonhar e oportunidades para realizar e inspirar”. Agora quer colocar o sonhar dentro da Constituição Brasileira: 

“Deve ser um direito humano, o Estado precisa garantir condições para que todas as pessoas possam sonhar e realizar seus sonhos. Na Fábrica trabalhamos para isso”, defende. Cada pessoa sonha de um jeito particular, mas existem algumas condições que favorecem o nascimento de pessoas e ambientes sonhadores. Myrian destaca alguns:

“Para sonhar, a gente precisa de necessidades básicas atendidas. Se você está num ambiente seguro, com comida todo dia, sente-se confiante a dar outros passos”, foi a primeira dica.

“Para sonhar, precisamos ter inspirações por perto, algo ou alguém que possamos perceber que é possível, já ver acontecendo”, o segundo, que se relaciona com o terceiro ponto de alguma maneira: líderes de torcida.

“Quem sonha precisa ter por perto pessoas que acreditem. É quem estimula, encoraja. É alguém que sempre irá ficar feliz com o seu avanço, mas também perguntará: o que posso fazer para te ajudar a chegar mais rápido?”, detalha. “Todo mundo já teve alguém que olhou de cara feia quando a gente contou um sonho, isso nos tira energia na hora”.

Tudo, até aqui, é importante, mas o essencial mesmo vem agora: “Quando chegamos numa comunidade, a gente sempre encontra alguém que está na chave da escassez, sabe. Isso acontece porque essa pessoa já recebeu muitos nãos na vida, sonhar ficou distante demais para ela”, explica Myrian. “Precisamos soprar a brasa que está quase se apagando”.

Karinne Costa, GSA 2022: ‘E se você construísse um Museu dos Sonhos do seu bairro?’

O Museu dos Sonhos Vivos busca impulsionar a criação de espaços para reunir memórias e sonhos que pulsam em territórios periféricos. É assim, bem direto e reto mas sem perder a ternura jamais, que a iniciativa se apresenta ao mundo em seus materiais de comunicação.

Nascido no Recife, Pernambuco, o projeto é sonhado e puxado pela GSA 2022 Karinne Costa e é um dos 8 que têm apoio do Jovens Ideias. E ainda tem no time: a Carol Braga, Edla Ayane, Jeniffer Oliveira e o Ytalo Santana. Além do Jorge Carneiro e o Joalison Batista, moradores da Bomba do Hemetério e que fazem as vezes de articuladores territoriais. 

Criado pelo Instituto Elos em 2023, o Jovens Ideias apoia técnica e financeiramente projetos criados por quem passou pelo Programa GSA, não importando o ano. O objetivo é criar condições para que brotem novas tecnologias sociais populares ao redor do país.

A Bomba, carinhosamente chamada assim, é um das periferias da capital pernambucana, fica na zona norte, e ferve arte e cultura para todos os cantos. Foi a partir daí que o time do Museu dos Sonhos começou a costurar essa ideia: abrir espaço na rotina para que visitantes e a própria população de lá não se esqueça de quem são e da potência que tem, nem por um minuto. Fizeram isso de duas maneiras: construindo um circuito de andada e trazendo projeções virtuais num site, com entrevistas e o resgate de imagens locais.

Crédito: Eduardo Melo

Sete foram os lugares para o Circuito de Andada, passeio pelo espaço e pela memória da Bomba do Heméterio: do maracatu nação Raízes de Pai Adão, Fundado em 1998 a Escola Mardônio de Andrade Lima Coelho, onde todas as crianças e jovens da região se encontram. Afinal de contas, lugar de construir lembranças é onde a gente está, em qualquer canto. Os lugares receberam a instalação de placas QR Code, que direciona ao site, com explicação histórica.

Para as pinturas e grafites nos muros, um grande mutirão que convidou tempo, talentos e habilidades de quem mora por lá. Nem a chuva forte daquele fim de semana, 20 de agosto, afastou as pessoas, especialmente as crianças.

“O Museu dos Sonhos Vivos”, explica Karinne, “é uma ponte para fortalecer o sentimento de pertencimento entre as moradoras e moradores do território”. Para a educadora e poeta, “fomentar a documentação e a preservação da memória é preservar o próprio espaço em si”. A metodologia foi nasceu para, o tempo todo, construir a partir das vontades e necessidades da Bomba, garantir sua escuta.

Há quem tenha entendido que o museu fosse um lugar físico, desses de hora e data para abrir e fechar. Não esse. Na Bomba, a memória ocupa os lugares, as casas. A memória se faz presente pelo caminho que se faz pelo território, por isso ele é um museu a céu aberto, vivo o tempo todo. 

No 27 de agosto, quando aconteceu um encontro celebração de todas as entregas que aconteceram, é que todo mundo entendeu melhor: o museu na verdade é uma decisão nossa de nos contarmos inteiras, para todo mundo. As periferias e favelas não podem ser resumidas aos desafios sociais que enfrentam.

Em breve, as histórias de quem chegou e vem construindo a Bomba do Heméterio até quem ela está hoje poderão ser encontradas nas páginas de um site, que vem sendo preparado. Por lá, depoimentos e fotos históricas da jornada do bairro, ao longo de anos. O trabalho desse time, porém, já ganhou outras tantas páginas, de sites jornalísticos.

https://negre.com.br/museu-dos-sonhos-vivos-sera-inaugurado-no-recife/

https://www.folhape.com.br/noticia/detalhe/artista-pernambucana-cria-museu-virtual-em-homenagem-a-bomba-do/287055/

Artista pernambucana cria Museu dos Sonhos Vivos em Recife – Blog Zulene Alves

Bairro culturalmente muito rico, a Bomba do Hemetério vai ganhar “Museu dos Sonhos Vivos” – #OxeRecife

Bazar do Bem: oportunidade, solidariedade e encontros (uol.com.br)

‘Museu dos Sonhos Vivos’ é criado em Recife (PE) – Noticia Preta – NP

 

Debora Cristina, GSA 2022: ‘As pessoas precisam de espaço de qualidade para serem, para criarem’

Cultura, é possível encontrar essa explicação por aí, é a fricção das existências com o espaço e o tempo. Antes nos vestíamos de um jeito, hoje de vários outros. Antes nos alimentávamos de uma maneira, hoje de várias outras.

Cultura é tudo que dinamiza a vida, mas que se faz meio sem querer, digamos assim; quase no automático, digamos assim: o jeito de andar, de se sentar, de se conversar com alguém. O que se pede para beber, enquanto se conversa com alguém. É o invisível sutil, mas pelos quais podemos nos reconhecer: estamos no Brasil, estamos no Benim, estamos numa cidade de três mil habitantes na fronteira com a Polônia.

Durante a Oficina de Pintura, com Jessyca I Crédito: PAC.JPG

Quem constrói a cultura de um lugar são as pessoas daquele lugar, todas elas: o presidente, a primeira-ministra. A executiva chefe de uma empresa, uma diretora financeira. A senhora de 87 anos que trabalhou a vida inteira no mercadinho perto de casa. Cultura é sobre como nos movemos pela vida. Já a arte é uma das maneiras de fofocar esse movimento ao mundo. E aí que a nossa história começa.

“Eu acredito muito no círculo, na roda”, explica Débora Cristina, GSA 2022. É ela quem começou a sonhar o Co-Criando Transformações, uma das 8 iniciativas apoiadas pelo Jovens Ideias esse ano. O constrói ao lado da Jéssyca e do Celso.

Oficina de Comunicação Com Débora Cristina I Crédito: Tony Marlon

O círculo, por exemplo, é uma das maiores expressões culturais humanas. Onde quer que exista uma fogueira e algumas pessoas com instrumentos musicais, haverá um pertencimento que ninguém explica bem como acontece. Todas as pessoas saberão onde se sentar, o que precisa ser feito depois disso.

Jessyca, durante vivência de pintura I Crédito: PAC.JPG

“Existe algo de potente quando sentamos em roda”, Débora continuou.  Na Oficina de Comunicação que puxou no Co-Criando Transformações, ela convocou esse poder do círculo para deixar um recado a todo mundo que se inscreveu: se existem mil maneiras de falar,  existem outras mil maneiras de escutar. Para isso, exercícios e mais exercícios coletivos, que as pessoas fizeram animadas.

“A coisa que mais gosto de fazer é escutar as pessoas, ser afetada por elas. De ecoar junto”, explica. Durante a atividade, contou melhor a intenção do dia, que abria uma série de quatro oficinas oferecidas gratuitamente pela iniciativa: Comunicação, Pintura, Escrita e Capoeira & Vogue.

“Existe produção de cultura no viver de todas as pessoas e é com elas, do dia a dia, que queremos conversar. Eu não sei quem está sistematizando tudo isso, sabe. Guardando essas memórias”, diz. E, pronto, é isso que ela e o time do Co-Criando  quer trazer ao mundo, uma espécie de escola de escutas culturais:

Crédito: PAC.JPG

“As pessoas precisam de espaço de qualidade para serem, para criarem”.  E foi isso que aconteceu, ao longo de todas as atividades oferecidas a quem quisesse e pudesse chegar.

E sobre o futuro, ela mesma disse sem precisar perguntar. “Agora, eu quero entender: o que mais seremos, além do que a gente já fez até aqui?”.

Para saber a resposta dessa pergunta, só acompanhando o perfil da iniciativa: Co-criando (@co_criandotransformacoes) • Fotos e vídeos do Instagram

O que acontece com os territórios parceiros do GSA 2023; Entenda

Por um mês, pessoas vindas dos cinco continentes se reúnem em Santos, no litoral de São Paulo, para o Guerreiros Sem Armas (GSA), nosso curso internacional que forma pessoas para liderar organizações e comunidades ao redor do mundo. Mais de 600 passaram pelo programa, vindas de 57 países. E aumentando.

Leia aqui para entender como o programa funciona.

Para além de impulsionar talentos e desbloquear habilidades nessas lideranças transformadoras, o Programa GSA impulsiona transformações físicas nos territórios parceiros que acolhem o programa. Em 2023, construímos mudanças ao lado da Alemoa e do Caminho Santa Maria. Por um mês, foi por lá que mais de 40 participantes colocaram em prática tudo que aprenderam.

O que pouca gente sabe, porém, é que depois que as participantes voltam para as suas casas, começa uma nova etapa de trabalho. Por mais um ou dois anos, o Instituto Elos apoia técnica – ou seja, com conhecimento, metodologia e tecnologia social – e financeiramente – investimento em ações de transformação – os territórios parceiros da temporada.

No caso desse ano, Alemoa e Caminho Santa Maria. E essa etapa, que chamamos de Territórios em Movimento: Baixada Santista, começou essa semana.

Caminho Santa Maria

Por lá, a inauguração desse novo momento aconteceu na quinta-feira, 26. Clarissa Borges, Mariana Felippe e Juliana Campos, facilitadoras do Instituto Elos, fizeram uma primeira reunião para pensar nos próximos movimentos que faremos juntas, pelos próximos meses. Dez moradoras participaram da conversa, em especial a turma envolvida com a horta.

Construída durante o mutirão que aconteceu durante as atividades do GSA, a horta é um dos legados do programa nesse encontro com o bairro. Era um sonho do Caminho Santa Maria que ganhou vida, graças aos talentos comunitários que foram mobilizados.

Em menos de uma semana, as moradoras se apropriaram desse sonho. Conseguiram a doação de um portão para proteger o lugar, de água da vizinhança para regar a plantação e criaram um sistema colaborativo em que elas se revezam para cuidar da horta. 

Pensar um sistema de irrigação, além de imaginar um projeto para o Centro Comunitário são algumas das prioridades da comunidade nesse trabalho em parceria com o Instituto Elos. Um dos objetivos do grupo é costurar mais parcerias e trocas com os equipamentos públicos locais – unidades de saúde, de assistência social, escolas, parques. 

Um encontro nos mesmos moldes estava sendo organizado na Alemoa, porém uma ação policial truculenta aconteceu no mesmo dia em que a facilitadoras do Instituto Elos irão se reunir com o grupo comunitário.

Então, a estratégia de ação nesse primeiro momento foi acompanhar as atividades organizadas pela Campanha Despejo Zero que está em contato com as famílias prejudicadas pela intervenção da polícia.

Gabriel, GSA 2014: o que eu senti voltando ao território quase uma década depois

Há quase dez anos, em janeiro de 2014, uma reportagem que contava ao mundo as transformações acontecidas na Vila Progresso, em Santos, começava assim: é possível sonhar e fazer acontecer. E em seguida mostrava como o Programa GSA havia transformado lugares para a convivência comunitária, a partir da escuta das vontades locais.

Gabriel Marmentini era um dos participantes daquela temporada. Ele voltou ao território que acolheu para uma visita cheia de lembranças e aprendizados.

Leia a reportagem que falamos acima clicando aqui.

Na casa dos 20 anos na época, a primeira coisa que chamou atenção de Gabriel foi sentir o inadiável: o tempo passa para todo mundo; territórios e pessoas. Enquanto o primeiro se transforma no jeito, com as ruas, as construções diferentes fisicamente, no segundo a ação do tempo é sentida na muda em perspectiva, de olhar sobre tudo que aconteceu.

“Tem uma galera que a gente ficou bem amigo durante o GSA. Éramos todos meio próximos de idade, né? Então foi da hora podermos botar o papo em dia, ver como é que cada um está”, explica Gabriel. Foram Lucas e Giovanni quem o guiou pela Vila Progresso de hoje. Tão diferente, mas de alguma maneira tão parecida.

“Os dois lugares que transformamos junto com a comunidade estão bem diferentes, não existem mais como eram naquela época. Nos contaram que as praças ficaram durante algum tempo, que foram úteis, mas as necessidades mudaram”, explica.

E aqui, um aprendizado: durante o GSA existem sim as transformações nos espaços físicos, mas é, especialmente, sobre mudar positivamente as relações de que se trata o que eles viveram. Ao menos para o Gabriel.

“É louco refletir sobre isso, né? Acho que, de fato, a entrega maior são os valores de amizade, o senso de comunidade, do estar junto, sabe. E não propriamente o equipamento, o que é construído”. Afinal de contas, reflete com os novos tempos, novas dinâmicas. E com elas, as novas necessidades.

Quatorze ônibus, todos cheios. Se a Comunidade GSA, que é como chamamos quem passou pela formação, resolvesse seguir o Gabriel e revisitar os bairros que acolheram as turmas, era dessa estrutura que o Instituto Elos precisaria: 14 ônibus de viagem. Já são 643 participantes, espalhados por 57 países.

Não querer perder a conexão, manter os laços vivos, é mais uma prova do quanto a experiência pode ser transformadora para os territórios, mas também para quem volta para casa. Caso do Gabriel.

“A gente deixa boas sementes aí plantadas e as coisas não germinando, então isso foi da hora ver que existem coisas ainda por lá. Acho que fez uma grande diferença”, defende. Dar movimento à esperança, mas também aos afetos e laços comunitários. É sobre isso.

Gabriel andou o mundo impulsionando mudanças, passando por países como Alemanha e Rússia. Formado em Administração Pública pela Universidade do Estado de Santa Catarina, já fez parte do Movimento Choice, AIESEC e Projeto Rondon aqui no Brasil.

Ajudou a botar no mundo a Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço e a Politize!, só para ficar em dois exemplos. Em 2022, foi uma das pessoas listadas no Under 30, da Forbes.

A transformação acontece na escuta ativa dos territórios, defende Tiago Pereira, GSA 2017

GSA 2017, Tiago Pereira é de Cubatão, no litoral de São Paulo. Mas a sua casa é todo canto. Onde se sentir bem e útil para lutar por uma periferia reconhecida pela sua potência e não reduzida aos seus desafios. Ele acredita nisso com a vida.

“Eu sou muito privilegiado pelo fato de eu entrar e sair em diversos territórios, mano. Eu tenho essa facilidade de conseguir mobilizar, trocar ideia com todo mundo”, começa contando. O seu projeto de transformação, o “Fim de Semana no Parque”, é uma das 8 iniciativas apoiadas pelo Jovens Ideias em 2023.

Para ele, não existe mudança sem escuta ativa das necessidades e dos sonhos locais. E escutar com intenção é apreciar a outra pessoa inteiramente.

“Eu gosto de ouvir bastante e tentar materializar na minha mente o que seria benéfico para o território. No caso, também buscar entender o que cada pessoa dali poderia agregar”, explica.

Tiago é do movimento Hip Hop, da literatura periférica, um agitador cultural conhecido em sua região. Com o seu talento para juntar gente, criou lá atrás o Fim de Semana no Parque, que agora recebeu apoio do Jovens Ideias para trazer ao mundo ações de sustentabilidade, literatura e audiovisual.

Quando o Instituto Elos rodou uma pesquisa com a Comunidade GSA, que é como chamamos as pessoas que passaram por alguma edição do Programa Guerreiros Sem Armas, descobriu, entre tantas coisas, que era preciso apoiar mais de perto ideias que, inspiradas de alguma maneira pela Filosofia Elos, brotavam entre os mais de 640 participantes espalhados pelo mundo.

A maioria dessas ideias enfrentam o desafio do financiamento. Seja por estarem em fase inicial, seja pela complexidade da linguagem dos editais.

Mais que apoio a uma ação pontual ou a um projeto, a chamada de apoio é a busca de um ambiente seguro em que as pessoas possam testar as suas hipóteses de transformação. Ou seja, receber apoio técnico e financeiro do Instituto Elos para pesquisar, elaborar, desenhar, testar, errar se for necessário, em busca das melhores versões de um projeto de impacto.

Queremos encorajar a elaboração de tecnologias sociais emergentes. E não se faz isso sem rede de apoio, sem tempo livre criativo e recursos. O Tiago sabe bem.

Em junho, ele reuniu sua comunidade para conversar sobre um tema urgente, que chega pouco acessível às periferias: a sustentabilidade. Batizou de Virada Sustentável um encontro que reuniu parcerias para inspirar conversas com a população sobre gestão de resíduos sólidos, orgânicos, sobre as possibilidades de geração de trabalho e renda com o que a sociedade ainda entende como lixo. Mas não é. Não parou por aí.

Em meados de Julho, foi a vez de celebrar a ancestralidade negra feminina. Batizado de Quilombo Unificado, o encontro durou uma tarde inteira e convidou moradoras e moradores para honrar a memória de Tereza de Benguela.

E ao redor de sua história, conversar sobre as mulheres negras que são potência hoje, liderando a transformação nas periferias e favelas do Brasil. Saúde mental e autocuidado também entrou na conversa. O encontrou ganhou a imprensa.

Conversando com Tiago, você percebe uma coisa importante: a transformação acontece na troca de afeto e confiança entre as pessoas. Quando um evento acontece é só uma materialização desses laços e valores no mundo. Outro aprendizado nas trocas com ele é sobre como não deixar ninguém para trás. E sobre isso, ele defende:

“A valorização dos Artistas é importantíssima porque nos momentos quando a gente estava na estaca zero, as pessoas fortaleceram com seus tempos, talentos e equipamentos. Então, no momento quando a gente consegue recursos nada mais justo do que a gente lembrar daqueles que nos fortaleceram lá atrás”.

Para Tiago, circular os recursos financeiros é tão importante quanto andar ideias e ideais.

“A grana sempre é um dos desafios porque eu tenho a visão de que de todas as pessoas que vão fazer algum tipo de colaboração aqui dentro do nosso território precisam ser remuneradas”, finaliza.

As ações e atividades do Fim de Semana no Parque continuam, mas para saber você precisará voltar por aqui.

GSA realiza Jogo Oasis em Joanesburgo reunindo pessoas de 4 países

Ao retornar da imersão GSA 2022 Nombulelo Ngwenya reuniu as pessoas da sua comunidade para contar o que havia aprendido. Esse era o combinado: compartilhar o aprendido com as pessoas que havia contribuído para a sua participação no programa.

“Todo o tempo em que eu estava na Vila dos Criadores (Santos-SP), eu ficava pensando, como fazer esse processo na minha comunidade”.

O retorno foi surpreendente, as pessoas ouviram maravilhadas sobre a realização de um sonho coletivo na comunidade e pediram que a Nombulelo, ou Nomi, aplicasse a metodologia na comunidade que luta por mais segurança alimentar. Ali bateu o medo: Nomi não se sentia pronta apara realizar sozinha, um OASIS em terras Africanas, em um contexto muito diferente daquele onde experienciou a metodologia pela primeira vez.

Em novembro de 2022, Nomi se juntou a 19 jovens de 8 nacionalidades no Círculo GSA , na África do Sul, e agora assumiu novas responsabilidades ao lado de GSAs de todos os tempos, que sob a orientação da equipe Elos, facilitou atividades em Langedoc, Stellenbosch.

“Foi essencial para mim, ter a experiência em um contexto muito semelhante ao meu, vivenciando os mesmos tipos de desafios e conflitos que existem na minha comunidade, isso me deu segurança.”

Em julho de 2023, Nombulelo organizou o Oasis Katlehong contando com a parceira de GSAs da Índia, Zimbabue e África do Sul.

“O que me deu confiança para realizar o Oasis foi saber que eu teria suporte, ainda que Archana (GSA 2014 – Índia), Admire (GSA 2012 – Zimbabue) e Tshediso (GSA 2011 – África do Sul) não pudessem estar comigo presencialmente, eu sabia que poderia contar com esse apoio, e também com o Elos.”

 

GSA é uma jornada de aprendizagem que dura um ano, e capacita lideranças a organizar processos participativos nas suas comunidades ao redor do mundo. A imersão em Santos é uma das 4 etapas do programa que prevê mentoria para que cada participante receba o apoio necessário para implementar o seu projeto.

 

Construindo hortas coletivas e contribuindo para a segurança alimentar ao redor do mundo, somos Elos.

Metodologia Elos aplicada em parceria com Instituto Shopping Recife na comunidade Entra Apulso

Grupo de pessoas reunidas em torno da maquete dos projetos coletivos sonhados pela comunidade

Na comunidade Entra Apulso, no bairro de Boa Viagem, um lugar poderoso e repleto de histórias de resistência, estamos conduzindo um belíssimo projeto de desenvolvimento territorial numa parceria com o Instituto Shopping Recife (ISR).

O ISR está localizado na comunidade Entra Apulso, e desde 2007 atua pelo social e nutre sua relação com a comunidade promovendo o protagonismo das pessoas que vivem no local e o desenvolvimento de novas lideranças comunitárias. Como parceiro, o Instituto Elos tem como objetivo impulsionar um movimento de fortalecimento da capacidade de transformação social da comunidade, contribuindo para um legado de protagonismo no território.

Seguindo a abordagem da Filosofia Elos, através de uma Vivência Oasis, reconhecemos potenciais locais, fortalecemos o senso de pertencimento, provocamos protagonismo nos moradores de Entra Apulso para gerar mudanças no seu bairro e contribuímos com a construção de uma visão de futuro para a comunidade. Num mutirão comunitário de 2 dias mobilizamos mais de 270 pessoas resultando na criação de três áreas de lazer para a convivência dos moradores.

Assista a matéria, clicando na imagem abaixo, para saber como foi.


Imagem de um grupo de pessoas pintando um muro em mutirão

 Como próximos passos dessa experiência, estamos oferecendo assessoria técnica para que o ISR e as organizações que atuam no território possam desenvolver um planejamento estratégico integrado que esteja à serviço da materialização da visão de futuro que a comunidade projetou.

O que faz uma iniciativa social se comunicar bem? No Jovens Ideias, alguns caminhos

Esse artigo foi traduzido de maneira voluntária por Eloísa Ferré, participante da Comunidade Elos de Tradução.

Léalo en español aquí.
Read this article in english here.

O Jovens Ideias, você sabe, é a chamada de apoio a projetos de transformação socioambiental liderados por quem passou pelo Programa GSA, uma comunidade de mais de 640 pessoas em 57 países. A estratégia do Instituto Elos é começar apoiando quem está no Brasil, depois expandir.

Em 2023, na edição de estreia, 8 propostas estão recebendo investimento financeiro e apoio técnico para colocar as suas atividades e teorias de mudança em movimento pelo país. Um dos grandes objetivos é apoiar na sistematização dessas ideias de impacto.

Além das trocas entre elas, as Lideranças GSA recebem especialistas para encontros de inspiração. Foi que aconteceu no último dia 4, quando conversaram sobre os desafios de comunicar impacto social, especialmente nos territórios. Pesquisador, jornalista e educador, Ronaldo Matos foi quem facilitou o encontro.

Leia reportagem sobre a jovem ideia de Mirian Fonseca clicando aqui.

Um dos cofundadores do Desenrola e Não Me Enrola, coletivo que pensa e produz comunicação a partir das periferias e favelas da zona sul de São Paulo, Ronaldo é um dos mais importantes estudiosos do tema e sabe, como poucos, pensar uma comunicação que atravessa a vida e o caminho das pessoas. Durante pouco mais de duas horas, ele compartilhou o que vem descobrindo e fazendo por aí. Trouxe para o centro da conversa uma perspectiva decolonial da comunicação.

“Comunicar”, defende, “é construir vínculos”. E não se faz isso sem considerar o olhar, o repertório e a linguagem de quem vai receber a história que se deseja contar. Para trazer do campo das ideias para a prática, Ronaldo transformou uma multidão de conceitos em experimentações, vivências. Em exercícios. A cabeça entende, se o corpo vive o saber.

“Podem perceber”, ele disse já quase no fim do encontro, “nós começamos com um movimento de conhecer melhor nossos públicos, nossas audiências. Depois foi preciso aprender melhor os nossos territórios, já que eles são organismos únicos e vivos. Seguimos avaliando possíveis estratégias para atravessar o caminho das pessoas, conectamos isso com a possibilidade de rever a nossa narrativa, já que conversamos com pessoas diferentes. E, por último, passeamos na articulação com outros grupos que fazem coisas parecidas com a gente”. 

Ronaldo pensa a comunicação para além da história, da plataforma, dos conteúdos em si. Para ele, estabelecer diálogo com projetos que vieram antes, que abriram caminhos, é tão importante quanto fazer arte, produzir vídeos de divulgação das atividades.

“O que conversamos aqui está dentro de algo maior, que é desenvolvermos uma cultura de analisar dados e contextos para tomar decisão. Parece chato, trabalhoso, mas é um processo necessário se quisermos transformar sistemicamente as nossas comunidades”, ele diz. Ou seja, podemos e precisamos confiar nas nossas intuições, mas não faz mal nenhum se cercar de dados e informações para pensarmos movimentos mais estratégicos.

Além do Laboratório de Criação, o Jovens Ideias apoia o Saberes do Povo do Remanso (Lençóis, BA), Cocriando TRANSformações (Campinas, SP), Associa as Ações (São Vicente, SP), Quilombo GSA – Tereza de Benguela (nacional), Colorindo a Quebrada com Poesia (nacional), Museu dos Sonhos Vivos (Recife, PE) e o Fim de Semana no Parque (Cubatão, SP).