Quem cuida de quem cuida: encontro discute saúde mental na Vila Esperança

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Uma pesquisa ainda inédita feita pelo Instituto Elos aponta que 65% das lideranças conectadas ao nosso trabalho na Baixada Santista têm dedicação diária ao trabalho em seus territórios. E 52% das entrevistadas não têm acompanhamento psicológico profissional. Pensando nisso, articulamos oportunidades de troca sobre o tema saúde mental com os territórios parceiros. Foi o que aconteceu na Vila Esperança, em 24 de junho.

Por lá, você já sabe, o Instituto Elos trabalhou com moradoras e moradores no último ano fortalecendo o desenvolvimento de sonhos coletivos de transformação. Uma das materializações desse trabalho foi a reforma da sede da Associação De Bem com Mangue. Você pode conferir a história completa aqui.

Dessa vez, as lideranças locais receberam o grupo do “Saúde Mental e Cuidados – aspectos socioculturais, éticos e políticos”, projeto de extensão da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP.

O grupo de estudantes conheceu o espaço, de cara nova, e puderam saber mais sobre as atividades que estão sendo planejadas para o segundo semestre. Uma das trocas aconteceu com a Francisca, pequena escritora da Vila Esperança. Ela tem apenas 10 anos e acabou de lançar seu primeiro livro.

O projeto de extensão busca promover espaços de trocas e discussões com lideranças territoriais sobre a prática do cuidado, nas diversas camadas da vida. O tema é ainda mais urgente para quem cuida de tantas outras pessoas, como é o caso das lideranças comunitárias Para isso, e foi bonito, reuniram as pessoas em roda e buscaram nomear o tema a partir das vivências e experiências presentes por ali.

Juliana Campos Gomides, uma das facilitadoras que acompanhou de perto a Vila Esperança nos últimos meses, resume bem um dos grandes aprendizados do dia: “O papo foi incrível para percebermos que, na prática, o cuidado por aqui é viver em comum-unidade”, diz.

“A experiência de conhecer o espaço e as diferentes frentes de atuação foi incrível, enriquecedora e inspiradora”, conta  a estudante Luiza Escardovelli, que faz parte do grupo de extensão. Ela ficou especialmente mexida com algo que escutou, entre uma conversa que ia e outra que vinha.

“Uma das participantes da roda compartilhou uma frase que está ecoando em mim até agora: somos famílias que cuidam de famílias. Isso me mostrou o poder comum e fortalecido das comunidades”, revela. Luiz também celebra a presença das crianças durante todo o encontro, já que elas também precisam lidar com muitas coisas ao mesmo tempo. O encontro terminou em uma bela feijoada, compartilhada por todas as pessoas da roda.

Todos os anos, ao fim de cada Programa GSA, o Instituto Elos faz acompanhamento e assessoria aos territórios que acolhem o programa. Com duração média de um ano, durante esse tempo as lideranças locais têm encontros regulares com facilitadoras institucionais e pessoas convidadas que apoiam nos mais diferentes desafios.

 

Clarissa Borges: com o tempo, precisamos ocupar outro papel no trabalho com os territórios

Quando a assessoria técnica aos territórios parceiros, entregue pelo Instituto Elos a quem recebe o Programa GSA, está perto do fim, um movimento importante acontece: senta-se em roda com as lideranças comunitárias, as parcerias atuais e potenciais para uma troca de ideias e compartilhamento de sonhos futuros.

Foi assim na Vila Esperança, em Cubatão, com quem trabalhamos há um ano.

O convite para esse momento de trocas, que aconteceu no espaço De Bem com o Mangue, alcançou pessoas e iniciativas para além dos limites do território. Vieram convidadas de vários cantos da Baixada Santista, e a ideia era essa mesmo: expandir as conexões, os elos comunitários. Pensar em possíveis sinergias para os movimentos futuros, quando já não estaremos mais tanto no dia a dia.

Por um ano, uma equipe do Instituto Elos fez encontros formativos semanais com lideranças do bairro no apoio à formatação de ideias, ações e projetos de transformação local. Um dos frutos desse trabalho foi, justamente, uma reforma completa do espaço comunitário.

Para além da transformação física, o trabalho do Instituto Elos busca dar movimento a um jeito de pensar a sustentabilidade social das ações acontecidas nos territórios. Daí a ideia de um encontro de trocas, o motivo pelo qual esse encontro acontece como uma espécie de ritual de despedida de nossa presença cotidiana por lá.

Na imagem, Lucas Pereira

A ação ganhou o nome de Encontro de Articulação, juntou 27 pessoas da Baixada Santista. O Lucas Pereira, do coletivo Esquadrilha Marginalia, foi uma delas.

Ele passou a infância e adolescência na Vila Esperança, hoje não mora mais lá. Gostou muito de todo mundo contando as suas ideias, pensando possibilidades juntas, mas ficou mexido mesmo é com o invisível, que sempre acontece em momentos assim.

“Eu, que sempre morei aqui, percebi que existia uma barreira que era para além da física. As pessoas não vinham. Quando marcávamos coisas sempre colocavam a vila como um lugar muito distante. Só que eu ir para o centro e alguém de lá vir aqui é a mesma distância”, defende Lucas.

“Aquele encontro foi o começo de algo grandioso. Barreiras começaram a ser quebradas ali”.

Para Clarissa Borges, que organizou o encontro ao lado de Juliana Campos, ambas do time de facilitadoras do Instituto Elos, é importante que organizações que apoiam o desenvolvimento territorial, caso do nosso trabalho, construam estratégias de saída. Ou seja, fortaleçam ecossistemas comunitários de transformação que não dependam institucionalmente de alguém, mas sim, da rede local. Dos talentos e recursos disponíveis no território.

“Faz parte da nossa estratégia que, com o tempo, ocupemos um outro papel no trabalho com os territórios. Daí a ideia desse encontro, que é como se fosse para dizer: estamos saindo do dia a dia, mas queremos deixar vocês em rede com pessoas e projetos legais. Continuem”, resume.

Todos os anos, ao fim de cada Programa GSA, o Instituto Elos faz acompanhamento e assessoria aos territórios que acolhem o programa. Com duração média de um ano, durante esse tempo as lideranças locais têm encontros regulares com facilitadoras institucionais que apoiam os mais diferentes desafios.

Parceiro pelo desenvolvimento

Em mais um movimento de transformação, a comunidade Entra Apulso, no bairro de Boa Viagem (PE), se juntou e colocou a mão na massa para gerar mudanças nos espaços de convivência da localidade.

A iniciativa conjunta teve participação do Instituto Shopping Recife, em parceria com o Elos e grupo de escoteiros Cleonildo Paulo da Silva. Por meio da Vivência Oasis, foi realizado um grande mutirão comunitário unindo forças entre grupos, rede de projetos sociais e moradores, em dias de muito trabalho, e o resultado foi a construção de belíssimos espaços para convivência de todos os moradores.

A Vivência Oasis é um curso criado pelo Instituto Elos, aberto a todas as pessoas que se interessam em transformar espaços e relações. A formação também é capaz de ensinar e aprimorar competências para engajar grupos e comunidades em uma iniciativa de alto impacto social, por meio de mobilização cidadã para realizar sonhos coletivos.

O propósito de ser um elo se materializa na atuação e nas parcerias que se concretizam no dia a dia da Entra Apulso, e assim construímos, em comunidade, um trabalho para reduzir desigualdades sociais e ampliar acesso da população a direitos fundamentais.

O desenvolvimento é feito diariamente a muitas mãos, com disposição e senso de pertencimento. Por isso, os espaços que antes eram abandonados e ocupados por lixo e degradados ou até então mal utilizados, agora contam com parques infantis, mobiliários, cores e muito afeto.

Veja como foi o trabalho conjunto clicando aqui.

Por que o Instituto Elos está construindo um espaço comunitário e como você pode apoiar

Um lugar se transforma mais rapidamente quando as pessoas se articulam em rede, ou seja: se juntam para descobrir as suas semelhanças, para construir as suas memórias e para combinar como querem que seja o futuro, para todo mundo ao mesmo tempo.

É aí que entra a importância dos espaços coletivos e comunitários.

Chamamos assim aqueles lugares que todas as pessoas de um bairro sabem onde é, só de você perguntar na rua. A igreja, a quadra de futebol, uma praça. É onde as pessoas se juntam, quando querem ou precisam. A Vila dos Criadores, em Santos, enfrenta um desafio: elas só têm espaços abertos para esse tipo de encontro. Quando chove, como é que faz? O Instituto Elos quer mudar isso.

Essa história começa no meio do ano passado, quando o programa Guerreiros Sem Armas (GSA) desembarca por lá. GSA, você sabe, é o nosso programa internacional de formação de lideranças mobilizadoras. São mais de 600 espalhadas em 57 países.

Durante quase um mês de trabalho por lá, participantes do GSA descobriram que um dos grandes sonhos de todo mundo era a construção de um espaço comunitário, um lugar que possa receber atividades culturais, de todos os tipos. Que fosse, também, um lugar para as pessoas se encontrarem para conversar as melhorias para o bairro, por exemplo. Por lá não existe um espaço assim. E pronto, foi no GSA mesmo que esse sonho começou a nascer. Talentos de todos os países botaram a mão na massa, literalmente, e esse sonho ganhou forma.

Ao lado de grandes parceiros, desde esse dia, um ano atrás, o Instituto Elos trabalha com as lideranças da Vila dos Criadores, das mais diferentes maneiras. Com reuniões semanais, apoia na construção de projetos, mobilizando ações em conjunto e construindo esse espaço comunitário, o colocando de pé. Junto, também está sendo fundada uma associação de bairro.

Falta pouco para o Centro Comunitário da Vila dos Criadores nascer para o mundo, mas ainda falta. E a gente não consegue fechar essa história sem o seu apoio.

O Instituto Elos está com uma campanha para a reta final, para fazer os acabamentos. Os detalhes, sabe, mas que precisam de investimento além do que já fizemos nesse último ano. Por isso, a campanha e por isso, esse pedido. A gente precisa de você, do seu apoio.

Apoie com qualquer valor. É muito fácil e prático. Via PIX:  rede@institutoelos.org

Qual é a importância de participar dos conselhos? Juliana Campos explica

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É a Juliana Campos quem explica que a participação em conselhos é tão desafiadora quanto fundamental para garantir que as políticas públicas conversem, de verdade, com as necessidades das pessoas. No Instituto Elos, ela é uma das pessoas que se coloca em movimento nesses lugares.

Conselhos são espaços que discutem, fiscalizam e sugerem melhorias de uma área do serviço público. Por exemplo, na Saúde. Fazer parte quer dizer que você vai se juntar de tempos em tempos com várias pessoas para discutir se está tudo funcionando nas políticas como deveria em sua cidade. E se não estiver, como faz para mudar isso. Participam dos conselhos pessoas representando o governo e a sociedade civil. Ou seja, governantes. E você e eu. Quem tem interesse direto no assunto, quem usa aquele serviço.

“Conselhos são lugares para o tensionamento, no sentido de trazer conversas difíceis sobre o modelo ou funcionamento de uma política”, diz Juliana.

“Porque a ideia é que você encontre por lá da pessoa que usa o serviço a um representante do Ministério Público, por exemplo. Todo mundo junto”. Na prática, ela explica, isso ajuda a sociedade a pedir mudanças ou sugerir ideias novas. Em alguns casos, denunciar algum problema.

O ideal, ela defende, seria garantir condições para que a população possa estar nesses lugares. Não é o que acontece. Juliana conta que, muitas vezes, as reuniões são em horários em que as lideranças não conseguem ir. Como o Instituto Elos trabalha em parceria com muitos territórios, participar de conselhos é uma das maneiras de garantir que as necessidades desses lugares e pessoas sejam consideradas, levadas em conta.

“Nós temos algumas pistas dos desafios e necessidades que existem por conta da nossa proximidade, mas também por causa de ações como a pesquisa que fizemos. Então, vejo que cabe a nós também esse papel de levar esses pontos para esses lugares”, defende.

 Somos uma organização de educação social que fortalece a capacidade das pessoas de transformar sua realidade. Ou seja, construímos o ambiente e as condições para que as pessoas protagonizem a sua história. Estimular a ocupação dos conselhos é uma das muitas maneiras de se fazer isso.

Nosso trabalho ganha mais força e fica mais eficiente quando conseguimos ligar isso a contextos maiores, como por exemplo, às políticas públicas”, defende Juliana.

“Após irmos a uma comunidade e apoiarmos na construção de palafitas, por exemplo, é importante que a gente consiga abrir um canal em que essas moradoras e moradores possam sentar-se com o poder público para pensar nos próximos passos”. O nome Elos não é por acaso, como se vê.

Além do Conselho Municipal de Assistência Social, que Juliana participa, o Instituto Elos ocupa outros espaços de articulação dentro e fora dos espaços públicos.

Mirian Fonseca: quando acessamos um edital não precisamos acertar tudo de primeira

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Ao dizer isso, Mirian aponta um pedido de cuidado e acolhimento por parte dos financiadores com quem está no começo de sua caminhada no mundo dos projetos. GSA de 2019, ela é de Lauro de Freitas e atualmente mora em Salvador, na Bahia. É uma das oito apoiadas pelo Jovens Ideias em 2023.

Quando o Instituto Elos rodou uma pesquisa com a Comunidade GSA, que é como chamamos as pessoas que passaram por alguma edição do Guerreiros Sem Armas, descobriu, entre tantas coisas, que era preciso apoiar mais de perto ideias que, inspiradas de alguma maneira pela Filosofia Elos, brotavam entre os mais de 600 participantes espalhados pelo mundo.

A maioria dessas ideias enfrentavam o desafio do financiamento. Seja por estarem em fase inicial, seja pela complexidade da linguagem dos editais.

Mais que apoio a uma ação pontual ou a um projeto na comunidade da liderança GSA, o Jovens Ideias é a busca de um ambiente seguro em que as pessoas possam testar as suas hipóteses de transformação. Ou seja, apoio técnico e financeiro para pesquisar, elaborar, desenhar, testar, errar se for necessário, em busca das melhores versões de um projeto.

Queremos encorajar a elaboração de tecnologias sociais emergentes. E não se faz isso sem rede de apoio. É o caso do trabalho da Mirian.

“Quando saí do GSA, desenhei meu Caminho da Expansão pensando em como usar a Metodologia Elos para desenhar um espetáculo teatral ou processos de criação artística”, explica. Ela é formada em Direção Teatral na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia e tem pelo menos 11 anos de experiência em mobilização comunitária e desenvolvimento de projetos colaborativos.

Pensou que seria, sim, possível usar o que aprendeu em outros contextos e foi assim nasceu o Laboratório de Criação, uma iniciativa que usa as dimensões da Metodologia Elos (Potencial, Pertencimento e Protagonismo) para mapear recursos, talentos e sonhos com foco na reestruturação e reposicionamento institucional de coletivos culturais. O projeto piloto, apoiado pela chamada Jovens Ideias, será com o grupo oCartel, de artistas negros das periferias de Salvador.

“Quando perguntamos quais são os sonhos de um grupo, a gente consegue mapear o que precisamos pedir num edital, por exemplo”, diz Mirian, que aponta assim um pouco de como pretende costurar a relação da Filosofia Elos com o Laboratório de Criação.

“Muitas vezes a gente não consegue nem ter um Olhar atento para a nossa rede”, diz. Uma das etapas da iniciativa é justamente essa investigação dos talentos e recursos que estão por perto, e que a gente aciona pouco em nosso dia a dia.

Sai de cena aquele jeito linear e muitas vezes distante de investigar, organizar e estruturar as potências coletivas, para entrar um outro jeito de abordar os desafios institucionais, especialmente nos coletivos culturais. Um jeito mais horizontal, mais… coletivo.

Além de apoiar para que o grupo avance para um outro momento de sua existência e do seu trabalho, o Laboratório de Criação – Edição Cartel prevê uma série de entregas artísticas.

Além do Laboratório de Criação, o Jovens Ideias apoia o Saberes do Povo do Remanso (Lençóis, BA), Cocriando TRANSformações (Campinas, SP), Associa as Ações (São Vicente, SP), Quilombo GSA – Tereza de Benguela (nacional), Colorindo a Quebrada com Poesia (nacional), Museu dos Sonhos Vivos (Recife, PE) e o Fim de Semana no Parque (Cubatão, SP).

‘As pessoas precisam saber que não estão sozinhas’: nosso trabalho em rede com a Baixada Santista

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Primeiro, é preciso contar que a frase aí em cima é da Mariana Felippe, uma das gestoras de rede de articulação de territórios, que é: o encontro de lideranças da Baixada Santista com quem trabalhamos hoje ou em algum momento anterior.

No sábado, 27, esse grupo se reuniu pela primeira vez este ano. Eram 26 pessoas, de 5 cidades: Santos, Cubatão, Praia Grande, Guarujá e Peruíbe.

“Queremos construir um espaço seguro em que as lideranças possam trocar umas com as outras o que sabem e o que estão fazendo”, explica Natasha Mendes Gabriel, coordenadora de Movimento, área responsável por esse projeto dentro do Instituto Elos.

Ela conta que essas pessoas, que estão todos os dias na linha de frente do trabalho social, enfrentam desafios parecidos, passam por situações parecidas e muitas vezes não tem um lugar para falar sobre isso, para trocar sobre isso. E é aqui que a Mariana aparece, de novo.

“A gente percebe”, diz, “que existe um sentimento de solidão bem forte entre essas lideranças. Elas fazem muitas coisas sozinhas, sentem que não há um reconhecimento sobre o seu trabalho ou que as pessoas não entendem completamente o que estão fazendo. Além disso, existe muita pressão vinda de todos os lados. Quem apoia?”, analisa Mariana. Por isso e para isso que esse trabalho de articulação com territórios da Baixada Santista existe, me explica:

“Quando estamos juntas podemos compartilhar as dores, os desafios e as soluções que cada lugar encontrou. É preciso juntar as pessoas para que elas saibam que não estão sozinhas fazendo o que fazem”.

Esse projeto nasceu de uma pesquisa do Instituto Elos, ainda em 2022. Na época, a área de Movimento entrevistou lideranças para traçar perfis, entender a natureza de seus trabalhos, os desafios de cada território e como o Instituto Elos poderia ser um aliado estratégico de médio e longo prazo. Existir um espaço de troca e formação apareceu como uma necessidade durante as entrevistas. O estudo será contado em breve por aqui.  

NINGUÉM SABE MAIS, SABEMOS DIFERENTE

“O encontro foi muito importante para mim”, diz Elizabeth Alves. Ela mora na Vila Israel há 8 anos, uma das primeiras moradoras do lugar. “É importante contar o que estamos fazendo, mas também escutar o que as outras comunidades fazem, sabe. Assim, a gente aprende uns com os outros”.  O José Domingos pensa bem parecido, veja:

“Porque você pode trazer uma ideia que escutou lá no encontro para a sua casa, que vai agregar ali no seu território. Muitas vezes você está trabalhando numa direção, aí descobre que não é a melhor em momentos como esse que tivemos “. Domingos, que mora há 22 anos em Pilões, diz que “o Elos faz muito bem isso, de colocar as lideranças para conversar. O Elos é igual uma ponte”. Gostamos dessa imagem, Domingos.

Além da Vila Israel e de Pilões, estiveram no encontro lideranças da Vila Pantanal, Vila dos Criadores, Monte Serrat, Vila Esperança, Instituto Novos Sonhos, Biblioteca Comunitária Conto de Fadas Periférico, Editora Periferia tem Palavra e do Coletivo de Mulheres Caiçaras.

Próximos Movimentos

Os encontros serão regulares, daqui até dezembro. Para o próximo, o Instituto Elos vai detalhar o que descobriu com a pesquisa comunitária. Será também o momento de mapear os interesses em comum para a construção de uma agenda de estudos e trocas ao longo do ano.

 

Projetos que agitam a Vila dos Pescadores

Na Vila dos Pescadores sonhos são realizados a muitas mãos, pelos próprios moradores que acreditam na construção coletiva e desenvolvimento comunitário e individual. Crianças, jovens e adultos inspiram e são inspirados pela união e ação que faz acontecer diariamente a descoberta de novas possibilidades.

São meses de formação, com atividades práticas para fortalecer a importância do autoconhecimento, o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, a construção de vínculos com o território e a criação de soluções para melhorar a Vila dos Pescadores. A juventude que acredita em si e no projeto de Desenvolvimento Territorial conduzido pelo Instituto Elos com a Compass está colocando em prática sua contribuição na transformação social.

Conheça as 5 iniciativas que estão agitando ainda mais a Vila, no município de Cubatão.

Favela na Luta
Projeto dá visibilidade aos times e atletas de artes marciais que existem na Vila dos Pescadores por meio de aulas experimentais de kickboxing, jiu-jitsu e muay-thai e um campeonato dessas modalidades.

Bio Quebrada
Projeto que busca conscientizar a população do bairro sobre a importância da separação do lixo reciclável por meio de atividades com crianças (gincana) e para toda a família (bingo), além de um mutirão de limpeza do mangue na programação do projeto.

Crab Dance
Projeto voltado para pessoas de todas as idades (a partir de 10 anos) que tenham interesse em dançar hip hop. Serão oferecidas aulas e workshops de dança com foco no estilo break.

Lírica Fashion 
Projeto incentiva a moda sustentável e valoriza os brechós da Vila dos Pescadores. Além disso, ensina como garimpar peças incríveis e montar looks arrasadores.

Do Mangue Pra Cá
Inspirado em “Da ponte pra cá” do grupo Racionais MC’s, o projeto valoriza as histórias de pessoas que moram na Vila e estimula o pertencimento por meio do estímulo à leitura de autores e autoras de periferias.

enraizamento: a importância da participação coletiva no trabalho comunitário

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Simone Weil, filósofa francesa que estudou o desenraizamento operário, apresenta três elementos desenraizantes presentes na experiência do seu trabalho na fábrica: o medo, o cansaço e a sujeição.

estes mesmos elementos podem ser percebidos na vivência comunitária.

o  desenraizamento, explica Eclea Bosi, psicóloga social que coordenava o Laboratório de Memória e História Oral Simone Weil na Universidade de São Paulo, é a “ignorância do trabalhador em relação ao destino das coisas que fabrica”. ou seja, quando uma pessoa se vê fragmentada, alienada da sua própria história, da sua realidade, do seu destino, ela está desenraizada.

desde 2014 atuo na área de desenvolvimento comunitário no Instituto Elos.  a experiência em um dos
projetos me impulsionou a aprofundar algumas reflexões e decidi fazer o mestrado na área da psicologia social para buscar respostas às minhas inquietações. as moradoras do Residencial Jardim Bassoli, em Campinas, São Paulo, traziam  depoimentos sobre os processos de saída da antiga moradia e de chegada no residencial que demonstravam a existência daqueles fatores desenraizantes descritos por Simone Weil.

as 2380 famílias que viviam no bairro foram removidas de suas antigas residências com a alegação de que viviam em áreas de risco – ameaçadas por enchentes, alagamentos, etc.

a sujeição foi vivida por essas pessoas quando o poder público bateu à porta e avisou: “você vão ter que sair”, sem espaço para diálogo ou entendimento dos motivos para a obrigatoriedade de ter que se deslocar para um novo bairro, completamente desconhecido, para viver lado a lado, acima ou abaixo de pessoas também desconhecidas vindas de diversos outros bairros da cidade.

o cansaço foi sentido devido o deslocamento por mais de duas horas entre o local de trabalho e a moradia, considerando os 23 quilômetros que separam o Jardim Bassoli do centro de Campinas e a falta de linhas de ônibus e terminais de integração.

já o medo esteve presente a partir da forma como as pessoas foram tratadas desde o início do processo de remoção: um número. 

cada família foi contada como uma das duas mil trezentas e oitenta famílias, não importando se em uma delas são duas pessoas, três ou sete.  se em uma delas tem uma mãe com um bebê recém nascido ou uma senhora cadeirante.

a reificação, que é a transformação de pessoas em objetos, faz com que dramas humanos virem números. assim como a operária é só uma unidade na força de trabalho dos estudos de Simone Weil .

“A gente não conta, mal existe”, escreveu. a moradora também não conta, mal existe. é só um número.

um projeto de desenvolvimento comunitário realizado neste tipo de território, onde as pessoas passaram por uma experiência intensa de desenraizamento, precisa ter a sensibilidade de promover a escuta atenta, pois antes de começar a sonhar com o futuro, é preciso ouvir, ouvir, ouvir e convidar as pessoas a compartilharem suas histórias em espaços de escuta coletivos.

é importante que as moradoras reconheçam que não são apenas um número. que elas fazem parte de um grupo de pessoas que passou pelas mesmas experiências.

conforme os encontros comunitários vão acontecendo, e as pessoas se sentem acolhidas e pertencentes, é possível iniciar a construção de uma visão partilhada de futuro para o novo bairro.

um primeiro ponto que precisa ser destacado é: ao participarem de encontros comunitários as moradoras descobrem que não estão sozinhas, que existem outras pessoas, suas vizinhas, que também querem se colocar em movimento para transformar a comunidade: .

“Nossa, depois que o mutirão da praça aconteceu aquilo me motivou a fazer muito mais. Não é só ali que precisa, tem outros lugares, tem outras coisas para se fazer. Então a gente pensa assim: ‘nossa, aquele lugar  está tão abandonado’ se a gente ficar esperando pelo pelo órgão público, a prefeitura vir fazer, só que eles vão fazer de qualquer jeito, então é melhor a gente ir lá fazer. Aí vai, publica lá no grupo, vê quem tá disponível para poder ajudar e tal, sempre tem alguém disponível. ‘Então, vamos fazer?’, ‘Vamos fazer!’” É legal isso, né?! Essa parte de que não tem só você que olha daquele jeito, tem muito mais gente que vê do mesmo jeito que você. E gosta do lugar que mora e quer ver diferente.”

Fabiana, moradora do Jardim Bassoli

outro ponto importante de ressaltar é o desenvolvimento da autoconfiança a partir das atividades em grupo. quando a moradora percebe que seu projeto pode dar certo, que ela não está sozinha, ela se sente segura, inclusive para falar e contar para mais pessoas sobre as atividades que está realizando:

“Eu lembro que quando vocês tavam naquela primeira praça falaram: ‘Renata, vamos dar uma entrevista?’ Aí eu falei: [ela sacode a cabeça negativamente], mas é por acanhamento, mesmo, né?! Mas hoje eu já consigo falar um pouco da gente, do nosso projeto, tá só começando, né, mas os nossos sonhos estão sendo realizados.”

Renata, moradora do Jardim Bassoli

as relações de amizade que se desenvolvem e fortalecem a partir dos encontros comunitários e atividades coletivas transformam a vida das pessoas e o lugar onde elas vivem.

“Quando eu vi falei ‘pô, vou ajudar’. Senti vontade de ajudar, de dar o máximo de mim nos poucos dias em que eu pude ajudar. Sou muito grato ao projeto por ter olhado pra nós e ter essa visão positiva do bairro. Tem muita gente que olha para o Jardim Bassoli como um lugar negativo, já eu não. Faz cinco anos que eu moro aqui e sempre tento ver por um lado positivo. Até agora é o lugar que eu tenho para viver e se um dia eu sair daqui eu quero lembrar daqui como um lugar bom. Eu conheci muita pessoa boa aqui durante o mutirão: o time do talento, até meus vizinhos que a gente não tinha afinidade. Através do projeto eu ganhei vários amigos.”

Idrênio, morador do Jardim Bassoli

segundo o pesquisador José Moura Gonçalves Filho (2003, p. 223, grifos do autor): “a amizade representa a igualdade e, mais precisamente, a parceria na igualdade.” essa noção de amizade revela “a necessidade que temos de convivência comunitária para crescermos na experiência de enraizamento no mundo” (SVARTMAN; GALEÃO-SILVA, 2016, p. 341). 

comunidade, dessa forma, pressupõe relações de vizinhança igualitárias, o sentimento de amizade política, quando pessoas diferentes se encontram de igual para igual, e vivenciam práticas que estimulam o fazer coletivo. Simone Weil relata a experiência da greve na fábrica e conta sobre a alegria que ela e as demais operárias vivenciaram:

“Sim, uma alegria. (…) Que alegria entrar na fábrica com a autorização sorridente de um operário que vigiava a porta. Alegria de encontrar tantos sorrisos, tantas palavras de acolhimento fraterno. (…) Alegria de dizer o que está no coração para todo mundo, chefes e colegas, nesses lugares onde dois operários podiam trabalhar meses seguidos, lado a lado, sem que nenhum dos dois soubesse o que o vizinho pensava. (…) Finalmente, pela primeira vez, e para sempre, haverá em torno destas máquinas pesadas outras lembranças flutuando, e não só a do silêncio, da opressão, da submissão. Lembranças que põem um pouco de orgulho no coração, que deixarão um pouco de calor humano em cima de todo esse metal.” (WEIL, 1979, p. 106)

experiências de participação comunitária contribuem para o enfrentamento dos sentimentos de sujeição, medo e cansaço e para a promoção do sentimento de alegria, estimulando o enraizamento, caracterizado pela filósofa francesa como

“(…) a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana e uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro.” (WEIL, 2001, p. 43).

o bordão repetido insistentemente em diversos encontros comunitários “a união faz a força” não é só uma fala, é uma ação, e é coletiva.

a transformação do residencial Jardim Bassoli em uma comunidade se deu a partir da participação das moradoras nas ações coletivas, quando elas decidiram enraizar-se nesse local e lutar por fazer dele o melhor lugar para se viver, não somente para elas, mas para todas as pessoas que vivem lá.

referências bibliográficas:

BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. 

GONÇALVES FILHO, José Moura. Problemas de método em Psicologia Social: algumas notas sobre a humilhação política e o pesquisador participante. In: BOCK, Ana Mercês Bahia. (Org.),
Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. 

SVARTMAN, Bernardo Parodi. & GALEÃO-SILVA, Luís Guilherme. Comunidade e resistência à humilhação social: desafios para a psicologia social comunitária. Revista Colombiana de Psicologia. Bogotá. v.25, n.2, p. 331-349, 2016. 

WEIL, Simone. O enraizamento. Bauru, SP: EDUSC, 2001. 

A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

Crédito: Paulo Pereira

Clarissa Borges é GSA 2012, graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Maria (2010) e mestra em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (2021).  desde 2014 atua como mobilizadora social e facilitadora de grupos em projetos de desenvolvimento comunitário. nas horas livres utilizo o bordado para descansar a mente e como ferramenta de luta na militância feminista, antirracista e pela visibilidade LGBTQIAP+.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Instituto Elos.

Os sonhos na Vila Esperança se concretizam

Após longa espera e muita mão na massa, a Vila Esperança finalmente inaugurou o novo espaço da Associação de Bem com o Mangue, em Cubatão, um espaço comunitário para dar continuidade nos sonhos de uma comunidade. Crianças, adolescentes, pais, mães estiveram presentes para ver se concretizar uma linda história de transformação iniciada há um ano. 

Festa, celebração, abraços e afetos tomaram conta da inauguração, com direito ao lançamento do livro “O Baú de Histórias”, da pequena Francisca de apenas 9 anos. 

A Vila Esperança foi uma das comunidades parceiras do GSA 2022 e desde agosto do ano passado a equipe do Elos vinha apoiando a comunidade em diversas ações. Em parceria com um grupo de pessoas do bairro trabalhamos semanalmente na reforma e planejamento dos próximos passos até a inauguração.

Depois que o GSA termina, o Elos fica mais um ano nos territórios construindo junto os sonhos coletivos que foram despertados, até que se tornem realidade. Nesse período, para além de uma intervenção no espaço físico, vivemos processos de aprendizado e ensinagem, em que partilhamos os passos da Filosofia Elos. Nossos olhares, afetos, sonhos, cuidados e muito mais se desenvolvem e se mostram nessa conexão criada diariamente com todas as pessoas. 

O espaço comunitário passa a oferecer um ambiente seguro e educativo para crianças e jovens da Vila Esperança, e a promover atividades de convivência e geração de renda para pessoas adultas do bairro. O funcionamento é de segunda a sexta-feira, de 9h às 11h30, e de 14h às 17h.

Moradora da comunidade, Adriana Maria da Silva celebrou a parceria que mobilizou o lugar e foi essencial para dar vida ao espaço comunitário. “Agradeço todas as ações que aconteceram aqui. Foi impactante em toda a extensão da associação. Sou muito grata pela colaboração de todos”, disse. 

Parceria que determinou o sucesso

A parceria de sucesso foi construída a muitas mãos, sem as quais seria impossível realizar tudo o que foi feito. Em sintonia, Comunidade, Elos e demais parceiros se empenharam no desenvolvimento territorial da Vila Esperança. Lua, da Biblioteca Comunitária Conto de Fadas Periférico, apoiou construindo um processo reflexivo e de planejamento focado no Espaço de Brincar, além da catalogação dos mais de 300 livros recebidos de doações. O Instituto Lapin fez a doação de mobiliário para a brinquedoteca, cozinha e bazar/brechó, jogos, brinquedos, utensílios de cozinha, materiais e equipamentos como projetor, computadores, entre outros. A Editora Saíra ofereceu desconto em alguns livros e também doou outros de seu catálogo. 

Outro morador da Vila, Zumbi se mostrou feliz pela concretização do desejo de muitos anos da comunidade. “Esse é um sonho de muitos anos, a gente sempre quis um espaço para as crianças”, afirmou.